sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Snow Trip - II

Mysen, 1 Fevereiro 08, 19h56

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Teria mais piada se em vez de Mysen tivesse Lillehammer, era diferente. Mas não deu. Não deu mesmo. Ainda tentei… já explico.

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Pois chega Quarta-Feira, e o dia em que me iniciaria em algo que, mais tarde não quereria deixar. Hum…Disse isto assim meio de repente, e sem pensar muito, e apesar de ser verdade, achei interessante a relação que tem com o sítio onde estou. O nosso cérebro prega-nos partidas…

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Após o pequeno-almoço e a espera por quem tardava, apanhamos o autocarro e chegamos à… estância (?). Não sei bem como chamar àquilo. Às pistas… Quando cheguei, levanto os olhos, e vejo algumas pistas, com uns pontos ao fundo a ziguezaguear. Assustava um pouco a cena, apesar de, pela expressão dos meus nórdicos companheiros, aquilo ser a coisa mais simples do mundo. Fomos buscar o equipamento e os passes, e estava tudo pronto para mergulhar na neve. Claro que eu, à campeão, não levava capacete. Toda a gente da Fase 1 era obrigada a levar, mas mesmo o T1, que nascera com uns skis nos pés (já competiu inclusive), levava. É aí que tenho a ideia, que mais tarde se revelaria brilhante, de usar um. Apesar da decisão ser tardia, não foi difícil encontrar um, pois não é qualquer pessoa que pode dizer que tem uma cabeça tamanho 60 e pico…

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Como dizia, estava tudo pronto para mergulhar na neve! Ou melhor, eu estava pronto para mergulhar na neve, os outros estavam prontos para passear… Disse ao T1 que queria começar pelos beginners, e ele responde-me que o melhor sítio para o fazer não era na pista de beginners, mas começar do cimo e ir pelo caminho mais fácil. Achei estranho, mas assenti. Devo confessar que sentia algo em mim que estranhei. Não era nervoso, pois não sentia aquela adrenalina no peito a corroer lentamente. Sentia-me hesitante. Nunca tinha feito snowboard (tirando umas descidas dum par de metros atrás da minha casa na Finlândia), e contudo, após ter entrado no elevador, parecia que nunca mais parava. A corrida tardou por uns 10 minutos (e ainda continuava – é a terceira mais “estância” da Noruega, e onde se realizaram os Jogos Olímpicos de Inverno ’94).

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Chego ao cimo, enfio a prancha nos pés, mas a descida ainda estava a uns bons dez metros de distância, pelo que tive de me baixar e empurrar com as mãos. Agora que penso nisso, é uma imagem bastante caricata. Bem… quando começo a descer… devo ter ganho um quarto no inferno só à conta das asneiras que devem ter saído pela minha boca após viajar por toda a minha mente. O T1 e o T2 iam acompanhando, parando, até que percebo o caminho das easy slopes e peço para continuarem, sem esperarem. Entretanto já tinha caído um par de vezes, e ainda não tinha aprendido a travar convenientemente. Aliás, numa destas vezes o mergulho foi tal que embati de frente, mesmo com a cabeça com toda a força no duro e cruel gelo. Não tenho dúvidas que se não tivesse o capacete, tinha passado mal. O corpo começava a queixar-se, mas a mente a desafiar. Após os primeiros dez minutos de quedas constantes, começava a apanhar o jeito. Passo pela T3 a determinada altura, que diz que estava a ir pretty good para a primeira vez. Ainda assim, ia caindo. Pois quando se começa a perceber o funcionamento, começa-se a acelerar. Foi complicado até perceber que mais valem duas quedas ligeiras que uma queda grande… Pelo meio umas descidas um tanto ao quanto íngreme, que me lançavam numa velocidade para a qual ainda não estava preparado. Lembro-me de pensar “F***-se, as pessoas pagam para isto??” – mas claro que logo de seguida lembrava-me de duas coisas que me faziam sentir estúpido em pensar isto. Primeiro, o óbvio… os noruegueses passavam por mim como quem voa, e a segunda foi lembrar-me do quanto me arrependi, no primeiro dia, de comprar a minha prancha de Skim, que agora domino razoavelmente bem. E além do mais, No Pain, No Gain. Para aprender é preciso cair… e essas frases todas…

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Quando chego ao final da corrida, as minhas camisolas, de deslizar constantemente pelo chão, apresentam-se cheias de neve e completamente congeladas, como se estivesse a vestir uma parede. O meu corpo doía e as minhas mãos tremiam mais que uma pessoa com Parkinson no dia do casamento! Não de nervosismo, já tinha acabado, mas de estar constantemente a bater no chão, a usá-las como infrutífero escudo.

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Fui para o bar e por aí fiquei uns 20 minutos, enquanto esperava por mim. Quando cheguei a mim, levantei-me, e decidi ir outra vez. A cada metro, sentia-me melhorar, e ia percebendo alguns truques. Que me ajudavam, não digo que sejam universais. Como ter auto-confiança. Às vezes ia com muita velocidade, e pensava que ia cair, mas logo de seguida pensava que não havia problema, era só uma questão de me virar para o lado com que travava melhor, e corria melhor. E nasceu assim uma paixão! Antes de ir almoçar, fiz a pista 4 vezes, cada vez caindo menos, cada vez melhor. O pessoal ia dizendo que eu passava por eles a voar, e eu lembrava-me duma eventual ajuda que possa ter tido por parte do meu slalomboard, que acaba por ser uma espécie de snowboard em estrada (slalom…).

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A determinada altura, junto-me a 1 e 2, também iniciantes, e levo-os para a pista que costumava fazer. Vamos andando devagar, eles iam caindo algumas vezes e há um momento em que fico sentado um bocado, à espera que se adiantassem. Cheguei a pensar que tinha sido um erro, mas depois descobri que tinha sido o melhor que podia ter feito. É que… perdi-me. Perdi-me, e dou por mim numa zona que não conheço. Dou uma olhada, e vejo uma descida tão íngreme, que se estivesse ali alguém com uma mochila, eu pensava que ia fazer paraquedismo! “Estou f***do!” A única maneira de voltar atrás era tirar a prancha e subir, o que ia demorar p’rai meia hora, e custar. Lá fui. A velocidade que se ganha é incrível! Assusta, mas faz uma pessoa querer mais! Ia caindo de vez em quando, e aí as quedas eram duras. E o pior era que via-me grego para travar, porque como era tão íngreme, eu deslizava uns 10 a 20 metros com o cu. E se a prancha ia à frente, escavando o gelo, só via minúsculas bombas brancas a atacar toda a minha face e corpo. Não admira que no final não tivesse sede nenhuma! Verdade! Após duas ou três descidas, vejo um acesso para as pistas fáceis. Viro para aí, mas paro num patamar. Olho para as pistas fáceis e sei que não há crise. Olho para a difícil, e sinto o cu a pedir misericórdia. Penso “Que se lixe!”, e mando-me outra vez nas difíceis. Claro que caí mais um par de vezes, mas ia indo bem, e a adorar! E, acima de tudo, tinha saudade desta sensação. Sentir medo, mas mesmo assim seguir. Mais tarde, em conversa com 1 e 2, estes dizem que eu era tolo, fearless, e eu disse que pensei que o pior que podia acontecer, era o que tinha acontecido, e estava bem. Quer dizer, doía-me tudo, mas estava bem. Ainda assim, tinha feito só metade do circuito difícil. A ideia batia pelos cantos dos meus pensamentos, e pensei “Porque não?” – e fui fazer tudo. Adorei. Pena foi que, na penúltima rampa, caí (não pela primeira vez nessa corrida, claro), e no meu deslize de 10 ou 20 metros, dou por mim com as minhas recém compradas calças rasgadas de lado. Não consigo deixar de imaginar no quão engraçado deve ter sido para quem lá estava, ver um gajo de casaco de cabedal a deslizar com a mão esquerda a desempenhar a sua função de equilibrar o corpo e a direita a segurar o pano rasgado da perna direita. Ah, e tinha-me já saído o botão! Ainda tive tempo para mais uma corrida, dessa feita na pista acessível.

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Quando cheguei ao hotel, sentia-me como nunca me senti na VIDA. Mais que cansado, sentia-me como se tivesse levado uma carga de porrada. E na verdade, até que tinha. Doía-me cada músculo! Não tinha força no braço direito, nem motricidade fina. Não conseguia limpar-me com a toalha nem escrever no computador. Devo ter demorado uns 7 minutos a tirar a roupa, e na cama, doía-me a mudar de posição. Enfim… quando acordei, pensei que levaria esse dia com cuidado. Contudo, quando temos uma prancha debaixo dos pés, é como se a dor desaparecesse completamente. Fui com 1 e 3 para um outro circuito, e adorei o dia todo. Bem, nunca fiz rally, é óbvio, mas a algumas alturas, ao ver uma pista pela frente, ladeada por pinheiros, não ver ninguém e a única coisa que se ouve é o Vento a fazer a neve embater contra o nosso corpo, sinto como se estivesse numa qualquer pista de rally abandonada, mas a prancha é o meu carro. Parece estúpido, talvez, mas foi o que sento.

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A cereja em cima do bolo foi que na minha última corrida, que durou uns 15-20 minutos, não caí nenhuma vez. Tentava concentrar-me e ia falando comigo mesmo: “Não, não cai aqui, controla…”. Enfim… Coisas!

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Claro que, mais uma vez, cheguei ao hotel destruído, e agora, tendo já dormido uma noite, ainda me dói! Acho que só para Domingo estarei a 100%. Ah, pelo meio dessas quedas, ainda dei mais duas violentas que me atirariam para um hospital ou uma cadeira de rodas não fosse o capacete…

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Hoje.

Normal. O T2, que é responsável pela primeira fase (dentro da Fase 1) está doente. Passei a minha manhã de volta do George de Leon, com o seu “CTs: Teoria, Modelo e Método”. Depois do almoço tivemos a reunião da casa. É engraçado estar-se numa reunião com 40 pessoas, e tudo fala uma língua que nos faz sentir surdos… Ao mesmo tempo, parece que vamos desenvolvendo outras coisas, como a atenção aos diversos sinais emitidos, essa maravilha que é a linguagem corporal. Por vezes consegue-se adivinhar quando é a altura de rir. Na maioria das vezes, é… go with the flow… Toda a gente deu o seu feedback em relação à viagem, e o meu orientador, a dada altura, quem sabe me terá feito corar. Não tinha espelho, mas senti as minhas faces quentes. Disse que recebeu uma chamada e que lhe [a propósito, ele está aqui há muitos anos e percebe, claro, norueguês, mas fala a sua língua mãe geralmente, o inglês] disseram que uma certa pessoa, que nunca tinha pegado numa prancha estava a ter the time of his LIFE e a divertir-se bastante. Claro que tive que pegar na voz, e disse que realmente tinha-me divertido imenso, e que apesar de ter sido bestial, o melhor tinha sido a oportunidade que tinha tido de conhecer mais os residentes, e de me sentir como um membro da CT. O snowboard foi um extra. Não é mentira.

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Essa reunião tem um cariz de “boa onda”, não tendo lugar ali críticas duras, ainda que construtivas, mas elogios. Qualquer pessoa pode pegar na palavra, e achei interessante quando 4 o fez, dirigindo-se a 5. Este levantou-se, como mandava a praxe, e assentiu o dito. Outro pormenor interessante foi todo o setting da reunião. Quando entro vejo a sala disposta na sua ordem normal, mas com um carrinho no meio, onde se vislumbrava uma série de chaleiras com café e chã, e uma travessa ao lado com um bolo. Em todas as mesas, frente às cadeiras, encontrávamos um pratinho e uma colher. Depois de aberta a reunião, que contava com todos os residentes e funcionários presentes, houve uns minutos para conversa informal, seguidos do relato dos residentes acerca da viagem. Houve ainda uma prenda para uma T, que celebrava o seu 15º aniversário na CT. Chorou.

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São todos muito simpáticos, e tenho pensado no estereótipo existente acerca dos países nórdicos. Na minha opinião, dizer que são frios é errado. O facto de não serem, eventualmente, tão calorosos como “nós” não faz deles frios. Acho que a diferença-mãe reside no toque. Aí sim, sinto que não tocam tanto como “nós”. Mas até aí, posso eu próprio estar enviesado, pois eu sou alguém que toca muito. O “abraçador”… (beijinho). Pois de resto, como já dito tantas vezes, são simpáticos, sorriem, super prestáveis e leves. Claro que haverão os noruegueses *%&#@&!, como em qualquer cultura há…

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Por aqui me fico.

22h09

2 comentários:

Hands of Time disse...

Nao pude deixar cada post escrito! maravilhada! Aqui em Portugal já é 12.11AM e o sonito está a bater à minha porta mas ainda deu para me transportar para cada aventura aqui descrita!Eu adoro viajar e conhecer novas culturas e ler o blog fez-me transportar para aí... espero que não tenhas ficado com nódoas negras de tantas quedas!

Catarina M disse...

O "abraçador"! Pois é... Esse beijinho é para mim? :) Mas olha que quem rotulou não fui eu! Foi o Paulo!
Beijoca