terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Apetece

Mysen, 18 Fevereiro 2008, 23h18

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O ritual é o de sempre. Chego ao quarto, dispo-me, visto os calções e a t-shirt, enquanto o computador vai ganhando fôlego. Quando consegue, e estou já nas minhas roupas de dormir, desligo as luzes, e faço-me acompanhar apenas pela tímida luz do candeeiro da minha secretária, e por Diana Krall, que me canta de Paris, ao vivo. Esta não está incluída no ritual de sempre, mas no dos últimos dias. Pois ora me apetece deitar na cama a ouvir este jazz tranquilo, de olhos abertos, a pensar, ora me apetece escrever…

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Cheguei mais tarde hoje ao quarto e pensei que não escreveria, pois tento acordar mais cedo, e isso, claro, pede que me deite, igualmente, mais cedo. Todavia, é maior forte que eu. Apetece-me escrever. E nem sei sobre quê… As palavras sentam-me na minha mente, e tento seleccionar algum tema, simplesmente para escrever sobre ele. Agora que penso nisso, e escrever sobre escrever?...

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Costumo dizer que tenho sorte de gostar de escrever, pois isso permite-me que não me aborreça facilmente. Enquanto houver uma folha, um guardanapo, um bilhete de comboio, e uma caneta ou um lápis, não estou sozinho. Claro que, eventualmente, posso dizer que não estou sozinho, mas estou apenas comigo. Como que se criasse um duplicado de mim em cada linha, que fala comigo, e tantas vezes me surpreende. A ideia de que este gosto especial que tenho me servirá, também, no futuro, para me lembrar de mim, é algo que também tanto me agrada. Gosto da maneira como me costumo sentir, da maneira como costumo ver a VIDA, e acho que estes milhões de palavras que já escrevi, ainda que muito provavelmente não passem, na maioria, para muita gente, me ajudarão a não me esquecer do que realmente importa. Pelo menos para mim. Ajudar-me-ão a não envelhecer, quem sabe… a constantemente me recordar do que me fazia feliz no passado e, quando muito, questionar porque já não me fazem feliz nesse presente, longe no futuro, onde me posso vir a ler.

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E o que são essas coisas que me fazem sentir bem? Poderia descrevê-las, para, como digo, não as esquecer, mas acho que não é algo que se possa delinear, ponto a ponto, mas simplesmente um estar, e uma saudável obsessão, se é que isso existe, de sentir… Tenho pensado nisso. Lia algumas estórias minhas, e via o “sentir” tão presente no cômputo dos variados contos. Talvez seja por isso que gosto do frio. Por me permitir sentir. O melhor é quando conseguimos deixar que as sensações se intrometam nos nossos sentimentos. Misturamos diferentes formas de sentir, que, culminando, resultam num único, que é sentir-se vivo… a VIDA é breve. A consciência disso, creio, quase me pode fazer enlouquecer, na ânsia de a viver ao máximo, de a sentir ao máximo. Porém, conseguindo equilibrar esta dose de consciência com a realidade, pode, quem sabe, apenas me ajudar a ser mais feliz, a sentir-me bem.

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Tudo o que digo, aplica-se a mim. Não só a mim, mas pelo menos a mim. Não julguem que me acho mais ou menos feliz do que qualquer outra pessoa. Simplesmente tenho a ideia que muita gente não o é. Muitos, por incríveis azares na VIDA, que fizeram com que a visão nunca consiga entrar em “estado alegre”, mas outros, e creio, muitos mais, não são felizes porque se esquecem de sentir, de relativizar, de questionar. Tudo tem, quase sempre, duas perspectivas, duas maneiras de ver. E acho que, mesmo quando vemos algo como incrivelmente negativo, isso não tem de nos atirar abaixo, e fazer-nos ver, daí em diante, a VIDA como uma sucessão de realidades tristes e sem significado.

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Após reparar no “sentir” que habita tantas estórias minhas, reparo no tema depressivo que se faz notar também, nesta ou naquela, nestas ou naquelas… Penso se poderá dar a ideia de mim como alguém assim, deprimido. Não penso preocupando-me, não me importa realmente a ideia que pessoas que não me conhecem têm de mim. Mas acho que talvez use as estórias como uma espécie de catarse, um pensar no que pode acontecer caso nos esqueçamos de sentir, ou caso sintamos tanto uma derrota que nos faça fechar os sentimentos para algo mais… alegre.

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Bem. A Diana está farta de cantar a mesma música… Já agora, não tenho aqui o cd original, mas fica a sugestão. Senão o cd todo, a faixa 11 do Live in Paris. Vale a pena ouvir. A voz é aveludada e entra nos nossos ouvidos sem dor. Apenas acompanhada por um piano, que canta com a cantora, pelas mãos da mesma, suavemente, ficando muitas vezes em segundo plano, quem sabe sentindo-se pequeno pelas palavras da criadora. Do tipo de música que nos deixa a vontade de nos encostarmos para trás… e sentir.

1 comentário:

Anónimo disse...

não estou a ouvir a diana mas definitivamente estou a sentir!!!