quarta-feira, 30 de abril de 2008

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Mysen, 27 Abril 2008

.

Este fim-de-semana foi um fim-de-semana diferente. Não diferente dos outros que tenho tido por aqui, mas diferente do que qualquer outro que já tive, posso dizer. Isto pois foi o meu primeiro “fim-de-semana” de pescaria! Quem me conhece bem sabe que a pesca nunca foi dos meus desportos favoritos… Porém, Segunda-Feira passada, não sei porquê, perguntei a T. Álvaro: “’Tão, quando vamos pescar?” – ao que ele respondeu dizendo que não gostava de pescar, afirmação que recebeu como comentário a minha solidária concordância, mas com a questão de “Porque não?...”. De qualquer maneira, ele não podia, pois tinha a festa de confirmação de um dos seus sobrinhos, festa essa que imagino ser algo como uma espécie de comunhão, mas… não sei. Assim, coloquei a T. Tiago a mesma questão, recebendo eu como resposta: “Sexta… Vamos Sexta e vimos Domingo. Tens saco-cama?” – ok! Estava lançado. T. Tiago tem 54 ou 56 anos (não me lembro bem), e é um porreiraço. Tenho pensado neste facto curioso. É que aqui tenho amigos num espectro de idades muito alargado. Aqui na Comunidade tenho algumas pessoas a quem posso chamar de amigos, e as idades prendem-se entre os 46 e 54 anos; em Oslo as pessoas com quem vou estando têm, na maioria, entre 20 e 27 anos, mas o Iraniano, por exemplo, tem 40 e poucos, apesar de não o parecer. Outra coisa é que me parece que o pessoal mais velho, aqui, não parece assim tão mais velho… Quando partilhei esta ideia com T. Álvaro, ele não concordou nem discordou, mas trouxe luz para algo em que tinha também já pensado. É que o ambiente Comunidade Terapêutica e os seus respectivos trabalhadores também é um pouco diferente dos demais. Outra coisa, em que não pensei na altura, mas em que penso agora, é que diferentes pessoas associam-se com diferentes pessoas… E é a primeira vez que estou a trabalhar assim “mais a sério” apesar de ainda não ser a cem por cento. Mas, apesar destes factores que me deixam a pensar duas vezes, continuo com esta ideia…

.

Assim, chega Sexta-Feira, e tinha planeado ir com T. Tiago às 14h. Não compareceria à Reunião da Casa, mas não haveria problema. Primeiro porque sim, era uma vez apenas… Depois porque eu faço uma espécie de horário D0,5… Explico: O horário de dia, isto é, o normal, é o horário D, e postula que uma pessoa trabalha das 8h30 às 16h. Mas há sempre alguém que começa mais cedo, sendo esse o horário D1, e segundo o que segundo o qual a pessoa trabalha das 7h30 às 14h. Eu normalmente começo às 8h. Mas estou a desviar-me… Saímos daqui então às duas horas, e no início da viagem, que teria como paragens a sua casa e um hipermercado, recordo-me de pensar até que ponto seria assim tão agradável o fim-de-semana. Sabia que seria agradável, mas… não estava muito confiante quanto ao inglês de T. Tiago, e não nos conhecíamos assim tão bem…

.

Quando paramos no hipermercado compramos uma data de coisas que nos manteriam para o fim-de-semana. Na minha inocência, não percebia como cozinharíamos algumas das coisas que compramos se íamos acampar… e quando lhe perguntava, ele respondia, com um sorriso: “Em água quente!”. Ok.

.

Bem, é melhor dizer já, para não preocupar o pessoal (hehe), que o fim-de-semana não só não foi “simplesmente agradável”, como foi muito porreiro! T. Tiago é, como imaginava, uma pessoa excelente, com um inglês que não traz consigo nenhum obstáculo na comunicação, engraçado e inteligente. E, como rapidamente (…) percebi, não íamos acampar, mas ficar na sua cabana no lago. Entenda-se por cabana, uma casa que só não o seria na perfeição por ter o WC no exterior. Efectivamente, a cabana é espectacular. Ao entrarmos estamos, passando o pequeno hall, na cozinha, que se estende por um corredor de dois metros. A sala de estar é grande, e à sua direita tem um quarto. A varanda é grande e tem uma mesa e dois sofás onde o pessoal se pode sentar. No sótão encontramos 6 ou 7 camas que dão para cerca de 8 pessoas. Tem ainda uma cave, e uns anexos, onde encontramos alguns utensílios e o WC.

.

Quando chegou a altura de pagar, no hipermercado, perguntei quanto era, e T. Tiago disse que não era nada. Eu insisti em pagar, mas disse que não. Uns momentos depois disse, como até já tínhamos falado algumas semanas antes, que tinha um trabalho para fazer, e que se eu o quisesse ajudar, me podia pagar. Eu, claro, vi ali uma oportunidade de ganhar umas dezenas de euros, e acordei prontamente… Não! Ao invés, disse que teria todo o prazer em ajudá-lo, e que não teria de me pagar por isso. Não por ter pago os mantimentos, simplesmente porque… não.

.

Após distribuirmos os nossos mantimentos e roupas pelos locais apropriados, tínhamos diante de nós uma horita de pescaria. O meu entusiasmo não estava nos píncaros, mas estava interessado. Facto é que, como disse, nunca fui grande fanático de pesca, mas por outro lado sempre fui adepto de novas experiências. E ao chegar À cabana, e ver o lago a estender-se por largos quilómetros, e o seu pequeno barco a nos aguardar, percebi que seria porreiro, quer pescasse, quer não pescasse. Ainda assim, nessa viagem que durou uma hora, pescamos dois peixes, e fui eu quem os pescou! Quando voltamos para casa, cozinhamos, partilhamos uma garrafa de vinho, e descontraímos um bocado na varanda, com o sol, ao fundo, a dizer adeus. No serão vimos o terceiro Pirata das Caraíbas, filme que T. Tiago tinha em DVD. No final, o anfitrião retirou-se, e eu fiquei mais uma hora a navegar nos canais, até que fui para o sótão, onde me estendi na primeira cama.

.

No dia seguinte, Sábado, acordei quando o relógio repousava nas nove e meia. Pequeno-almoço tomado, vestimos os pesados e quentes fatos que T. Tiago tinha destinados apenas para a pesca, e fomos. Andamos cerca de duas horas. Tiago, numa ponta do bote, comandava este, e eu, na outra, estendido ao comprido com as pernas de fora, deixava-me estar, aguentando a esfomeada cana. Via o cenário passar, desse país que tem tudo para me deixar com saudade no final, via os belos pássaros de espécies variadas atravessar o lago, e sentia-me bem. Íamos conversando acerca de tudo um pouco, e assim o tempo passava sem pressa, mas sem peso. Quando voltamos, após um leve almoço, fomos trabalhar. Na primeira hora, com o auxílio de um carritel para cada um, mudamos para dentro da cerca a madeira que se encontrava uns metros adiante, eventualmente perto do sítio onde fora cortada. Fizemos uma pausa, bebemos uma cerveja, e na segunda hora fomos ao carro buscar seis paletes, colocamo-las onde receberiam, mais tarde, os troncos cortados para secar, e começamos a cortar alguns. Na minha ignorância, perguntei qual a necessidade de os cortar ao meio, se já estavam finos, ao que ele me respondeu dizendo que era necessário para que assim secassem. E as paletes tinham como objectivo fazer o ar circular também por baixo.

.

Quando acabamos, voltamos à pescaria. Não sei se foi desta vez, mas posso dizer que no final do fim-de-semana pesquei cinco “pikes” (não sei o nome em português), e os dois mais pesados tinham mais de quatro quilos cada! Após o pesado e norueguês jantar, passamos o serão no relax, na sala, a ver um par de filmes.

~

No Domingo chegou a parte pior, que nem foi muito longa. O arrumar tudo. Sempre pensei que, se dependesse de mim e fosse possível, preferia chegar a um sítio, desfazer as malas e preparar o que tenho a preparar, e de seguida fazer tudo o que se faz antes de ir embora, para que assim, quando tivesse de ir embora, apenas tivesse de ir. Era porreiro… arrumar, desarrumar para ganhar os créditos, e depois poder estar completamente à vontade… Bem, mas no domingo ainda fomos pescar uma hora e pico. Depois arrumamos tudo e viemos embora. Ah! Todos os peixes que pescámos eram devolvidos ao mar. Porém, eu queria experimentar o peixe, pelo que guardamos um, que eu amanhei (pela primeira vez), e cozinhamos. Toda a gente me dizia que não era bom, mas na verdade, é… mais um peixe. Não é delicioso, mas não é mau. E convém dizer que foi simplesmente cozido. Quem sabe se tivesse já em minha posse o que agora tenho (25 maneiras de cozinhar “pike”) seria ainda melhor. Mas sou português, e talvez seja essa a razão pela qual gostei do peixe. É que Portugal é o país europeu que mais peixe come, comendo 75 quilos cada pessoa ao ano. Isso e… tenho uma boca santa, vai tudo!

.

Ao voltarmos, passamos pela Suécia, pois T. Tiago queria comprar tabaco, e eu queria comprar algumas coisas. Comprei mantimentos no valor de 35 euros, e mais uma vez ele pagou. Desta vez não queria mesmo aceitar a sua recusa em receber a minha metade. Uma vez é uma vez, mas mais que uma vez pode tornar-se regra, e a regra torna-se sempre em abuso. Ele disse que não, e relembrou-me duma conversa que tínhamos tido sobre um altura em que ofereceu algo a alguém, essa pessoa não queria receber e ele disse: “You shall not take away from me the pleasure to give”. Depois disse, a brincar, mas a sério, que assim podia pedir-me para o ajudar mais vezes. Eu disse que o ajudava sempre que precisasse, e que não tinha de me pagar. Mas pronto, ficou assim.

~

Já é Segunda hoje. Passei o dia em casa do Islandês, juntamente com o seu “irmão mais velho” e a sua mãe. O Islandês quer vender a casa, e por isso tem de tirar tudo o que tem de lá. Era preciso um membro do staff acompanhá-lo, e coube-me a mim. Era para ir hoje, como não tenho norueguês, com T. Jan até Halden, apanhar a sua bicicleta e vir, ao longo de três horas e meia, a pedalar para cima, mas T. Ricardo disse que eu era necessário para o karting, pois eles eram apenas três, e assim estou agora no seu carro. Além do mais, T. Ricardo falou com T. Tiago e este empresta-me a sua bicicleta, pelo que não tenho de pedalar 50km para arranjar uma.

.

E pronto.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Mysen, 22 Abril 2008

.

Olá Pedro! Digo eu, consciente de que eventualmente serei a única pessoa que ainda sabe que este blog existe. Sim, a culpa é minha. Expulsei alguns fiéis leitores com poucas visitas aos seus blogs, e outros com o simples facto de ter textos que nunca mais acabam…

.

Pois no último fim-de-semana fui visitar Oslo mais uma vez. Parti com o sentimento de que me começava a fartar, esta capital, mas voltei sentindo algo adverso… Lembro-me agora da péssima ideia que tinha de Helsinki, ideia essa que nem por isso confirmei (apesar de continuar a achar que não é nada de mais) quando voltei pela segunda vez. Pois acontece que da primeira vez estava um tempo terrível! Não nevava nem chovia, e o céu estava cinzento, muito cinzento. E isso fez com que não gostasse nada da cidade. Acho que o mesmo se passa, ou se passou com Oslo. Claro que, como esta cidade é melhor que Helsinki, não tinha propriamente uma opinião negativa, mas não muito positiva.

.

Neste fim-de-semana, como nos últimos dias, o tempo esteve bestial, e isso fez-me deixar Oslo com vontade de não o fazer. E mesmo com vontade de ficar por cá mais uns mesitos, com um quarto arrendado na capital e um emprego temporário na Comunidade. Foi um fim-de-semana porreiro. Deixei Mysen com T. Álvaro e Vânia na Sexta depois do almoço, pois esta residente tinha uma consulta no dentista em Oslo, e depois ficaria numa Comunidade nessa mesma cidade para um encontro feminino de várias mulheres de várias Comunidades. Enquanto esta estava no consultório, eu e T. Álvaro compramos um McFlurry e sentamo-nos numas escadas, a apreciar o sol de Abril e ver a VIDA citadina, para variar e contrastar com o aborrecimento, ultimamente até atraente do campo… em Mysen. Digo ultimamente até atraente pois pensando bem… a paisagem que me rodeia é bastante bonita, e completamente… norueguesa. Imaginem vastos campos a perder de vista, mudando ao longo dos quilómetros por onde se estendem, de declive, como suaves ondas do nosso país… Por vezes, ao invés de verde, os campos pintam-se de beje, como se minúsculas cearas de trigo albergassem. Para retirar a monotonia ao que os nossos olhos alcançam, vemos, de quando em vez, uma casa, ou um celeiro, feitos de madeira e geralmente vermelhos. As árvores, essas, não se pode dizer que sejam variadas. O mesmo tipo de árvores polvilha quase a totalidade dos arredores. Bem, perdi-me agora um pouco nesta descrição de algo que já considerei… chato. Para dizer a verdade, simplesmente talvez não seja tão bonito quanto o que vemos mais a norte, com lagos e fiordes a abundar, e montanhas imponentes a assustar… Mas ainda assim, apesar de talvez não ser assim tão bonito, tem o seu encanto… Porquê estar sempre a colocar as coisas em primeiro em segundo?... Faz bem falar em absoluto de vez em quando…

.

Depois de deixarmos Vânia na Comunidade, fomos até casa de T. Álvaro, onde o objectivo era o mesmo que tínhamos da primeira vez em que o visitei, e o desfecho foi semelhante… Íamos apenas descontrair e conversar um bocado, e após algumas horas de conversa na sua varanda, ele acabou por vir comigo para casa da pessoa que me albergaria nesse fim-de-semana. Falo de Flávio, que conheci na festa em casa do Iraniano quando fui a Oslo na vez anterior a essa. Por ali permanecemos umas horas, a curtir uma Sexta à noite, e acabamos a noite a saltitar de bar em bar. A noite seguinte foi semelhante, mas sem T. Álvaro. Flávio é uma pessoa interessante, inteligente e porreira, e achou o mesmo de mim, pelo que disse que posso, à partida, ficar sempre em sua casa quando for a Oslo. Fixe. Todavia, creio que no próximo fim-de-semana em que deixo a Comunidade irei a Gotenburgo. Ainda não sei bem…

.

Domingo, após tomar banho, pequeno-almoço (apesar de ser uma da tarde), vi um documentário de 40 minutos no computador de Flávio sobre um inglês que sabia de cor o PI até 25 mil números. Dito assim parece super aborrecido, mas foi porreiro. Pois visto isto, deixei a sua casa, e vim para casa de T. Álvaro, onde me esperava um par de horas no mais puto ócio a ver televisão à espera do sono. O dono do apartamento apareceu às seis e tal da manhã, não vindo da noite, mas vindo de casa de sua namorada para tomar banho e preparar-se para ir trabalhar. Sacrifiquei uma hora de sono ao dormir em sua casa, mas poupei os 15 euros que gastaria no comboio. Acho que vale a pena, apesar de ter andado com sono o dia todo.

~

Hoje já é Quarta. Ontem tinha algo para fazer e acabei por não acabar o post. Se quando cheguei aqui, às quatro da tarde já era de noite, o que pode ser muito deprimente, agora, às nove e pico, por exemplo, o sol já se pôs, mas o céu tarda em ganhar a cor negra. E ainda faltam dois meses até os dias pararem de crescer! Diabos me levem senão vou ver o sol da meia-noite! Nem que tenha de subir um pouco para norte. Mas aqui onde me encontro, no sul deste país nórdico, não duvido que em Junho, ainda que não veja o sol da meia noite, haja noites em que não anoitece… Gostei desta frase. Na Segunda-Feira reuni-me com T. Luísa e T1 e falamos um pouco acerca do meu plano. No dia seguinte fizemos o mesmo, e ideias interessantes surgiram… como eu, enquanto psicólogo, e o único nesta CT, posso contribuir, sem ir contra o método adoptado. Isto pois aqui não apreciam sobremaneira consultas individuais, ou mesmo explorar muito a infância, por exemplo. Isto apesar de, pelo que me parece, pelo menos este último tema, tenha os seus momentos de existência de vez em quando. Mais do que pensam, penso. Surgiu a ideia de eu preparar alguns seminários (actividade muito popular por aqui) em que podia explicar um pouco acerca do funcionamento mental. Pensei, por exemplo, que falar dos mecanismos de defesa pudesse ser algo interessante e útil.

.

A minha estadia vai continuando a acontecer em picos de diferentes estados. O mais frequente é sentir-me bem, mas se me sinto sem ter nada que fazer durante três dias, isso, mais tarde, ao meu lembrar, aparece lado a lado com três semanas em que me senti bem. Engraçado, apenas agora penso nisso. É verdade. Detesto sentir-me sem nada para fazer, e partilho quando sinto isto. O que lhes digo é que ganho o mesmo quer trabalhe, quer não trabalhe, mas prefiro trabalhar. Também vou trabalhar algumas noites, quando a pessoa que aqui esteja seja alguém que fale bem inglês e com quem eu costume estar. Isto para, mais tarde ser eu a gerir algumas noites ou fins-de-semana.

.

Os dias têm estado muito bons, como acho que já disse. Sabe bem, assim, andar por aí com o sol como companhia e sem sentir os seus raios queimarem-nos a pele. Talvez seja o meu clima. Céu limpo, e fresquinho. O fresquinho que até nos permite andar com um casaco leve, mas que eu gosto de viver com uma t-shirt.

.

Abraço.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mysen, 16 Abril 2008

O Nando faz anos.

Hoje acordei com a típica vontade destes últimos tempos de ficar na cama mais umas horas. Bem, acho que a vontade de quem acorda às sete e meia, é sempre de ficar na cama mais umas horas, mas isto vem na sequência da dificuldade que tenho tido em adormecer… Depois do banho tomado e de me vestir, tive a reunião matinal, seguida da reunião de equipa. Tudo normal, mas como era Quarta-Feira, tivemos também a reunião com os líderes das diferentes secções de trabalho. Estas são: Expedição, Cozinha, Exterior, Interior. A reunião versou a mudança de estrutura que se avizinha. Mais ou menos a cada seis semanas há uma mudança, em que há promoções, despromoções, mudanças de secção. Um residente que siga um percurso normal começa como trabalhador normal; algum tempo depois passa a assistente do líder de trabalho; seguidamente é líder de trabalho; e finalmente, acaba a Fase 1 novamente como um trabalhador normal, não tendo que se preocupar tanto com todos os detalhes da sua secção. Isto não é linear, não tem de ser exactamente assim. De acordo com o comportamento da pessoa, esta pode, também, ser despromovida de assistente, como aconteceu com Tiago, para trabalhador, sem isto ter que ver com as mudanças globais de estrutura.

Depois da reunião com os líderes de trabalho, reunimo-nos em equipa, discutindo quem iria para onde. Está tudo bem, a casa está estabilizada, e já voltei àquela boa altura em que não imagino ninguém a desistir. Eu penso sempre que toda a gente se vai safar, como já disse aqui. Isso faz com que, quando isso não acontece, custe mais, mas também faz com que se olhe com esperança para cada residente, e isso terá o seu efeito terapêutico. Depois do almoço participei numa reunião de objectivos. Reunimo-nos na sala de estar, sentados no sofá, 7 residentes, eu e T. Irina. Cada residente, à vez à vez, pega na sua folha, pensa em conjunto com os colegas num objectivo em específico para a próxima semana, e escreve-o no campo para isso destinado. De seguida escreve o que vai fazer para alcançar esse objectivo, e três maneiras em que a satisfação desse desejo o pode ajudar. A título de exemplo posso dizer alguns como: objectivo – reconstruir uma rede social; como – ligar a um amigo que não esteja relacionado com drogas; como me vai ajudar – perceber que a VIDA é mais que drogas, é possível ser feliz sem as mesmas; não me sentir tão só; etc.

Foi um dia preenchido, agora que penso que já são quase dez horas… Tive ainda cerca de uma hora a conversar com Ricardo, que tem o hábito, como falamos, de se pôr um pouco numa posição de vítima, e de não confiar no que lhe dizem. Coisas assim… ele apareceu no meu escritório quando eu falava com o orientador, com a desculpa que me podia explicar o que se tinha passado na reunião anterior, quando prontamente começou a falar dele e do dia anterior (ele fora o “alvo” no Contact Group).

Ontem comecei uma estória que tem tudo para ser a irmã da Mulher do Hospital, no Estórias em Vão. Não por ser parecida, ou relacionada, mas porque quero, no meu próximo livro, ter, como no anterior, além de todas as pequenas estórias, uma maior a abrir. Na verdade escrevi todo o esqueleto, ao longo de 12 episódios, tal como a Mulher do Hospital. Estou agora a dar-lhe um bocadinho de carne e substância. Tem momentos fortes e delicados ao mesmo tempo, e um desfecho interessante. Gostei, acho… A ver vamos.

Hoje tinha pensado em não ir correr. Todavia, o céu azul e a amena (8 graus) temperatura fez-me mudar de ideias. Lá fui, pelo mesmo caminho de sempre, pensando em diferentes coisas como sempre. Quando chego faço sempre uns dez minutos de alongamentos, e aponto no chão o quanto consigo abrir as pernas. Pois tenho a dizer que desde que comecei a tentar fazer a espargata já evolui cerca de meio palmo! Bem, vou-me…

terça-feira, 15 de abril de 2008

Mysen, 15 Abril 2008

.

Estou com sono. Ontem estava já com sono, porém, ao tentar dormir, apesar de pensar que adormeceria como uma princesa cansada, demorei, sei lá, talvez quase uma hora… Ando a tentar descobrir estas espécies de insónias que por vezes me dão. Serão de acordo com as mudanças de estação?...

.

Pois passou o fim-de-semana… Foi um fim-de-semana diferente. Sexta-feira começaram a chegar as famílias dos residentes. Seria o fim-de-semana informativo, onde seriam explicados, através de uma série de palestras, aspectos como o funcionamento do programa, e o que fazer, como viver com alguém recentemente recuperado de uma dependência. Não participei em nenhuma destas palestras. Além do óbvio facto de ser em norueguês, era apenas para os pais, sendo que os residentes estavam, nesses momentos, a trabalhar como se dum fim-de-semana normal se tratasse. Claro que eu, como parte da equipa, poderia muito bem participar mas, para dizer a verdade, não me apetecia. Já sei mais do que concerteza seria explicado em algumas horas de palestra, palestra essa que eu não compreenderia. Nos momentos em que tal não acontecia, os residentes aproveitavam o tempo para pôr as coisas em dia com os seus familiares.

.

Tinha planeado escrever muito mas, sinceramente, não escrevi nada o fim-de-semana todo. Alerta! Ok, nada para preocupar. É que fiz o download de dois filmes que ocuparam os meus serões quando já no quarto (onde escrevo). Na Sexta vi o Scanner Darkly, muito porreiro, diferente, e com algumas cenas em particular, deliciosas. No Sábado vi o Donnie Darko, também muito porreiro e estranho. O que não percebi foi o porquê de algumas pessoas me terem dito que não percebiam o filme. Quer dizer… agora que penso nisso, posso pensar no que (não) tenham pensado, mas…

.

Passei todo o Domingo a trabalhar na investigação que fizemos, ou estamos a fazer a nível de qualidade do tratamento. Posso revelar um pormenor, pois é óbvio. O item que teve uma pior apreciação por parte dos residentes está relacionado com a privacidade. Pois aqui é difícil, sim senhor… Não sei se já falei disto aqui, creio que sim. T.Elba noutro dia disse-me que podiam contratar, eventualmente, três novas pessoas, e que eu poderia ser uma delas. Na altura não me manifestei muito entusiástico. Mas hoje disse-me que já tinham saído os resultados do concurso, e que esta CT tinha sido uma das que tinha justificado a contratação de novas pessoas. Resultado: é oficial que vai acontecer. Agora aquilo em que fiquei a pensar foi se devo, ou não dizer: “Como é que é? Fico?” – para já, vale a pena dizer que, claro, não depende de mim, e quem sabe o domínio da língua é mais necessário do que se pensa… mas ainda assim, a pequena parte que de mim poderia depender permanece indecisa. Uma coisa é certa. A ficar, ainda que para ficar na investigação, apenas ficaria se tivesse planeado continuar em contacto com os residentes, participar nos grupos, etc. Confesso que até retiro algum prazer dessas coisas da investigação, mas mais retiro do contacto com as pessoas, e não só por isto, mas pelo simples facto de não querer “perder ritmo”, seria uma condição. Salvo caso o acordado fosse uma estadia de curta duração. Imaginemos, Setembro-Dezembro. Não estava mal. Mas duvido.

.

Hoje de manhã tive o Contact-Group, aquelas sessões onde o pessoal desata aos berros com alguém. Foi porreiro. Além de ir percebendo mais e mais norueguês, esta é a reunião em que mais retiro apenas pela linguagem corporal. Porque será não é? Hum… pode-se dizer linguagem corporal quando me refiro ao facto de gritarem?

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mysen, 9 Abril 2008

.

Acho que era esperado que o ritmo de posts começasse a baixar. Depois de chegar e da surpresa deixar de ser surpresa, do novo passar a menos novo ser, as coisas começam a entrar no ritmo e as novidades sossegam, pelo que nem sempre a vontade surge. Porém, tenho a dizer que, apesar de estar por terras nórdicas há cerca de dois meses e meio, apenas aterrei nas mesmas algures na última Sexta-Feira. Sei que é estranho, mas acho que tem que ver igualmente com um período duma certa “crise” que tive de ultrapassar, e assim o vou fazendo. Não que eu esteja, ou tenha estado, em crise, mas passando por uma. Creio que o facto de ter ido a Portugal, misturado com o facto de ter mudado de “estrutura” teve a sua influência. Sobre ter ido a Portugal, recordo-me de pensar que, por muito que estivesse a gostar de estar aqui, ao voltar, não me importava de ficar por terras lusas mais uns tempos. Pois tal não aconteceu, e cheguei aqui, dois meses depois, vindo do conforto preguiçoso do lar e, ao contrário da primeira vez que aqui cheguei, as coisas já não eram novidade, e esse factor que por vezes suaviza a realidade distante, o facto de encontrar em cada metro algo de completamente novo, encontrava-se ausente. A par disto, estava planeado passar da equipa de entradas para a equipa responsável pela fase um. Todavia, T.Luísa (ok, os técnicos também terão nomes fictícios mãe…) estava com dificuldade em encontrar espaço para se reunir comigo e podermos alinhavar o meu plano, pelo que me senti, por cerca de uma semana, um pouco a saltitar de canto em canto, sem saber realmente o que fazer. Ganho o mesmo, mas detesto sentir-me estagnado, ou parado, ainda que use esses espaços de tempo fazendo algo produtivo, como ler, pesquisar, etc. Pois assim fui caindo, aterrando na realidade, começando a perceber que, por exemplo, as pessoas com quem trabalho são prestáveis e muito simpáticas, mas nem todas são absolutamente espectaculares, como no início imaginava. Umas são mais introvertidas, outras sinto que se sentem um pouco intimidadas com a minha presença, por não saberem falar tão bem inglês… Não o sinto com muita gente, mas por vezes sinto sorrisos nervosos que manifestam alguma incerteza em como agir… Curiosamente, até na comida notei este meu recém-adquirido realismo. Não tinha queixas nenhumas, mas… Ok, expresso-me mal. Continuo sem queixas nenhumas, pois a comida não é má e é grátis, que direito teria de me queixar? Contudo, se dantes via cada refeição como tão boa como em Portugal, agora sei que não é verdade, e… o almoço… esta refeição muitas vezes é à base de pão, queijo, e outros alimentos assim a tender para o simples.

.

Pois Sexta-Feira chego a Oslo, e estou no metro, olho à volta, e diante de todas aquelas caras brancas e azuis, e das outras tantas a mostrar o quão cosmopolita a cidade é, percebo, finalmente, que estou noutro país. Acho que o sentimento de estar noutro país manifesta-se de duas diferentes formas, ou em dois níveis diferentes. O primeiro, quando chegamos e procuramos em tudo o que vemos algo diferente, apenas para alimentar o nosso sentimento de aventura; e o segundo, quando o diferente que procurávamos inicialmente passou a ser normal, e um novo diferente surge, quando apenas procuramos o normal. Vivendo aqui em Mysen, e especialmente tanto tempo na Comunidade Terapêutica, o diferente que eu via, e vou vendo, não posso dizer que se prende com os hábitos de trabalho, por exemplo, pois na verdade é a primeira vez que estou a trabalhar, mas com, de certa forma alguns aspectos das pessoas (que não são assim tantos como tanta gente acha, mas que não assim tão poucos, como já achei), e a natureza, que me tenta gritar, todos os dias, que não estou assim tão perto quanto isso. Eucaliptos nem vê-los, e aquele manto já descrito que cobre a terra mãe em cada bosque lembra-me, de tão diferente ser, dos fetos portugueses. Quem sabe um norueguês ficaria maravilhado com os extensos oceanos desta planta nada difíceis de encontrar no nosso canto europeu…

~

Claro que estive no metro apenas com o objectivo de chegar a algum lado, por isso não vou continuar a escrever tendo começado o parágrafo anterior da maneira que comecei. Eis que chego a casa de T.Álvaro. Ou melhor, chego à estação a que deveria chegar. Depois andei cerca de meia hora a procurar a rua que lá me levaria. Nunca por princípio, mas por mero orgulho e sisma, resisti a sacar do meu telefone (que T.Ana me emprestou) e pedir indicações, e lá dei com o sítio. Uma vez aí, sozinho, já que T.Álvaro estava com sua namorada, tomei banho, e de seguida voltei para Oslo. Tinha enviado uma mensagem para o grupo da mesma cidade no couchsurfing, a que respondeu uma rapariga da Hungria, dizendo que poder-nos-íamos encontrar. A noite foi calma. Trouxe comigo o meu elixir, e além do mesmo, bebemos uma cerveja aqui, e outra ali, desta vez já com a presença de três simpáticos noruegueses da nossa idade que responderam com a sua própria companhia à pergunta que investigava um novo sítio para beber um copo. Ficamos com os contactos uns dos outros, mas para dizer a verdade ainda não adicionei ninguém. Fá-lo-ei amanhã. Mais dia menos dia, 90% dos meus amigos no Couchsurfing serão noruegueses, suspeito…

.

Acabada a noite de festa às 3h da manhã, tinha diante de mim umas simpáticas 3 ou 4 horas de espera, até que aparecesse o primeiro metro, que meia hora depois me deixaria em Bergkrystallen. Fui, com calma, comer um hamburger ao Burger King, e da mesma forma fui caminhando até à estação, onde esperei uma hora apreciando os reciclas a passar. A zona da estação tem muitos reciclas. Para quem não sabe, tipo os meus pais, um recicla é uma pessoa com mau aspecto. A dada altura descobri que a estação estava aberta, o que foi um regalo, sendo que, posso dizer sem mentir, não estava a morrer de calor. Aí dormi umas duas horas, até que apanhei o metro.

.

No dia seguinte, Sábado, quando acordei demorei cerca de meia hora a perceber se já tinha efectivamente acordado, e se estava vivo. Com satisfação, descubro que sim, ainda estava vivo. Um membro do Couchsurfing tinha proposto, no grupo de Oslo, uma festa em sua casa, festa essa que bailava na minha mente. Por um lado queria ir, por outro, pouca gente tinha dito que ia. Mas ok, era uma hipótese. Com essa ideia como eventualidade, pus-me a caminho da capital, onde esperava encontrar-me com uma americana que se tinha oferecido para me dar uma extensiva visita guiada. Tal aconteceria, caso o meu telefone não tivesse decidido que estava ligado há muito tempo, e que era tempo de descansar… Assim, sem bateria, dei a mim próprio mais uma visita, desta feita por sítios diferentes que me fizeram atribuir uns pontos extra à cidade que, continuando a não ser nada de assombroso, é melhor, ou mais bonita, do que em tempos achei. Na mochila tinha 6 cervejas, que mais tarde descobriria não serem precisas, mas isto foi apenas para dizer que caminhei muito com um peso enorme nas costas. Sou um herói.

.

O relógio aproximava-se das sete horas, altura em que a festa supostamente começaria. Apesar de ter, como disse, a mesma na mente, permanecia indeciso, pois queria aparecer, estar, e voltar para o centro, e não sabia quais os planos do anfitrião. Pensando que os seus planos não teriam de ser os meus, lá fui.

.

Quando chego à estação aconselhada, tento lembrar-me do mapa que ele tinha desenhado no site. Ok, um mapa é giro, mas o nome da rua também é útil, algumas vezes… Tinha memorizado o mapa, mas quando segui o que acreditava estar certo, deparava-me com umas curvas e contra curvas que não era suposto aparecerem. Abri uma cerveja, e voltei para trás. Sem bateria no telefone, e perdido numa zona residencial onde não via ninguém senão uns putos a brincar, dou um gole na cerveja, e penso no que fazer. Volto para trás, e vou caminhando, procurando alguém que me pudesse ajudar. Caminho, caminho, até que encontro um casal, aquém pergunto onde poderia fazer um telefonema. Indicam-me o hospital, que apareceria a uns 5 minutos de distância. Pois acho que devo ter entrado numa qualquer dimensão alternativa muito estranha, pois segui o caminho que me indicaram e só lá cheguei passados 15-20 minutos. Coisas.

.

Chegado ao hospital, peço troco ao segurança, que do seu bolso tira 90 mil moedas, que apesar de imensas, me permitem fazer o telefonema. Bem, eu sabia que o anfitrião era do médio oriente, mas não imaginava que o seu sotaque fosse tão… do médio oriente. Certo era que falava comigo a tentar explicar onde era a sua casa, e eu só pensava quando me perguntaria se eu não queria comprar qualquer coisa. Assim vou vendo o meu precioso dinheiro escoar-se entre mal-entendidos, até que alguém, presente na mesma festa toma a iniciativa, e com um inglês muito mais inteligível, me explica onde tenho de ir. Ok, eu estava certo desde o início. Lá voltei para trás, e quando penso estar no sítio certo, demoro ainda uns 20 minutos a encontrar o prédio certo. Quando o faço, sei o bloco, mas não sei o apartamento. “Não há problema – pensei, para os meus botões – basta seguir o nome”. Pois devo dizer que não me enganei. Entre Trond’s, Christian’s, Magnum’s, e outros tantos nomes que não me deixavam esquecer o país onde me encontrava, não foi difícil ver um nome que sugeria nitidamente o médio oriente. Ah, isto porque eu não me lembrava do nome, claro.

.

Na festa estava apenas o anfitrião, Iraniano, e um Norueguês, crescido na Alemanha. Apesar disto, da falta de comparência dos chatos Noruegueses, o tempo passou rápido, e foi animado. Tinha cerveja em barda e outros elixires. É certo que não estivemos lá a noite toda, e talvez por isso tenha também passado o tempo de forma rápida. Isto pois era meia-noite e pico e apanhávamos o último metro que nos levaria até ao centro. Aí fomos para o Vila, um bar/disco porreiro(a). Assim passou a noite… pena que, sendo Domingo no dia seguinte, o primeiro metro era mais tarde. Nada que uma boa parede para se encostar e um pedaço de chão para sentar não ajudasse. Quando acordei pela segunda vez no mesmo dia, dessa feita já em casa, apenas me mexi do sofá para ir buscar o Táxi Driver, do Scorcese, que é… estranho.

.

Segunda, Terça, Quarta, e hoje é Quinta. Sim, já é Quinta porque ontem tive, já não sei porquê… ah, sim, sei, não me apetecia escrever mais, pelo que apenas continuo hoje. Esta semana correu melhor, e já estou de volta. Pensei, algures no início da semana, que tinha de levar ainda mais a sério as minhas próprias palavras e ideias, e procurei ainda mais ir de encontro a algo que parecia não estar a vir de encontro a mim. Assim passei os primeiros dias bem, até que finalmente Luísa se reuniu comigo e tivemos a falar acerca dos grupos e actividades da Fase 1. Não decidimos nada, simplesmente me teve a dizer o que havia, o que eu já sabia, quando aconteciam, o que não sabia totalmente, e do que tratavam, idem.

.

Assim, apesar de ter já o meu horário mais ou menos definido, vou continuar a acompanhar tanto quanto possa a equipa de Entradas. Gosto de ir às alas de desintoxicação falar com potenciais futuros residentes, por exemplo. Intervir, ou tentar intervir, na motivação de alguém que está prestes a tomar uma decisão que mudará a sua VIDA é sempre bom.

.

Tenho estado também, quando tenho tempo, na Expedição com T.Álvaro. Além disto estou ainda a colaborar com T.Ema numa investigação cujo objectivo é aferir a qualidade, na óptica dos residentes, do tratamento aqui. Os meus dotes, ainda que nem por isso extensos, a nível de investigação e de domínio do SPSS fizeram algum sucesso. Pensei no rigor com que via cada detalhe, e lembrei-me do quão importante é, ou foi, ter alguém tão exigente como eu tive como orientador de mestrado.

.

Assim, tenho-me sentido bem. Útil, activo, e estou na página 199 do meu romance que escrevo há uns anitos, com muitas interrupções.

.

Talvez haja mais por dizer, mas se assim for, noutros posts o farei…

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Mysen, 2 Abril 2008

.

Hoje foi um dia diferente. Tal como ontem, os únicos técnicos na casa eram Th, Tc, Tj, e eu. Porém, se ontem comecei a aprender o trabalho de Th como Staff de estrutura na Expedition, hoje, tal como Th tinha prometido, fui eu quem geriu a casa, sob a sua supervisão. No início estava um bocado renitente, pois não só pensava que não estava bem a sério no dia anterior, como não sabia exactamente o que fazer. O papel passava por aferir com precisão o ambiente da casa, conversar com os líderes das diferentes secções acerca do ambiente dentro de cada uma e as melhores maneira de ultrapassar diferentes problemas e ter um controlo e conhecimento constante acerca do que se ia passando com os diferentes residentes. Da mesma forma, sempre que algum residente tem algum pedido, seja o que for, transmite-o ao líder dos residentes da Expedition, e este vem ao escritório e por sua vez transmite-o ao responsável. Tem de trazer igualmente consigo a sua opinião.

.

- O Rui – por exemplo – diz que se sente doente e com dores e pediu para tomar um analgésico.

- Ok… Que é que achas? – pergunto.

- Ele parece realmente meio adoentado…

- Ok, fala com Tx e diz para irem ao armário dos medicamentos.

Este foi apenas um exemplo do tipo de coisas que podem pedir. No total, creio que Tiago veio com cerca de quinze pedidos.

.

Hoje mais um residente abandonou a casa. Não senti tanto pois esta foi a pessoa mais calada que já conheci na minha VIDA, e por isso mesmo a nossa comunicação era limitada. O grupo sentiu-o, mas não sei até que ponto o sentiu como outras saídas. Quem sabe estão a ganhar crosta… Dois residentes foram ter com Óscar a Mysen, tentando convence-lo a voltar, coisa que não aconteceu. Este embarcou num comboio para Oslo, e os mesmos residentes foram consigo, numa última tentativa. Uma vez em Oslo ligaram-nos, dizendo o que se estava a passar. Instruímo-los a dar uma última oportunidade de retorno a Óscar e, caso recusasse, para voltarem. Quando chegaram, depois do almoço, tínhamos, entre o Staff, combinado arranjar uma reunião de 5 minutos onde ambos os residentes que foram atrás de Óscar explicariam ao grupo o que se tinha passado, sendo que ninguém melhor que eles, que foram até Oslo com o desistente, o saberia fazer. Assim, reunimo-nos na sala de estar, disse ao grupo que, como sabiam, algo se tinha passado, e que Miguel e Vander explicariam melhor os pormenores da desistência, e de seguida voltariam às suas tarefas normais.

.

Há muito mais a dizer, e realmente o escrevi, mas faz parte daqueles parágrafos que realço a amarelo e apago antes de publicar no blog. Quem sabe um dia num livro. Por acaso há pouco pensava que, com tantas VIDAS, e mesmo com a minha própria, vou construindo algo dentro de mim que um dia, quem sabe, me permitirá escrever um bom livro sobre recuperação. Não científico ou documental, mas de diferentes experiências de VIDA.

~

Sobre o dia. Gostei. Gostei da maneira como Th me desafiou, sem ser aquele tipo de palmadinhas nas costas, mas o tipo mais ou menos pressionante, duma forma positiva, caso aguentemos a pressão. Claro que não estou a dizer que me encostou à parede propriamente, mas não era tão compreensivo como, por exemplo, Tr. Volto a dizer que não é nada que me desagrade. São abordagens diferentes, simplesmente. Da mesma forma que, se com Tr tenho grandes conversas/reflexões, com Th tenho grandes conversas/discussões. Do tipo em que no final, das poucas coisas em que concordamos é em que não concordamos. Mas numa boa onda. E isto mais no que se refere ao trabalho, e diferentes abordagens.

.

Th disse, no final, que com o passar das horas ia entrando melhor no ritmo, e que no final já estava a ir bem. Disse que amanhã deixar-me-á ainda mais entregue a mim próprio, sendo como uma pequena mosca num canto… Tudo bem. Disse que acha que, “com o meu cérebro, em dois dias faço tudo perfeitamente”. É certo que não nego que me considero inteligente, mas isto são palavras dele, não tenho nada a ver com isso, hehe.

~

Ontem à noite percebi que os residentes estavam num momento informal na sala de estar, a ver televisão. A eles me juntei, e o programa era “How To Look Good Naked”. Tratava desta senhora britânica (o programa era inglês) que se considerava gorda (e era) e estava com a versão inglesa do José Castelo-Gay a tratar do assunto. A dada altura esta senhora está de roupa interior branca, rodeada de outras senhoras, igualmente gordas, de roupa interior negra, e estão ordenadas… por ordem de diâmetro de barriga. O Joseph White Castle pede à senhora para se posicionar onde achava que pertencia. Esta, como o gajo antecipara, coloca-se numa posição onde estavam pessoas mais gordas do que ela realmente era, e ele diz-lhe que, como ele imaginava, ela tinha-se enganado, e tinha de se sentir feliz, porque pertencia não sei quantas “casas” abaixo e não sei quê. Bem, isto é apenas uma tentativa duma rápida explicação, mas chocou-me a maneira como as outras, porque não eram as estrelas do programa, eram usadas como ferramentas, e eles ali mesmo à frente delas, envergando as suas camadas adiposas, a dizer o quão feliz a senhora se devia sentir porque não era assim tão gorda. Enfim… depois escolheu uma e puseram-se a apertar a gordura e a perguntar como sentiam. Moralidade balofa, estúpida, talvez apenas na cabeça dos produtores, dos intervenientes, e das pobres almas que não têm coisas mais interessantes para ver/fazer. Agora que penso nisso, os residentes estavam a ver aquilo… mas ok, não vou deixar de criticar porque os “meus” residentes estavam a ver…

.

Bem, vou correr, procurar algumas oportunidades mundo fora, e fazer o que calhar…

terça-feira, 1 de abril de 2008

Mysen, 1 de Abril

.

Olá caros amigos. Não escrevi ontem pois estava cansado como poucas vezes tive nos últimos tempos… Não, como nunca tive desde que aqui cheguei.

.

O que se passa foi que tive de acordar às 6h50! E adormeci perto das 2h. Fui dormir mais cedo que isso, quem sabe por volta da meia noite, mas talvez por nas duas noites anteriores ter-me deitado tarde, e nas consequentes manhãs me ter levantado igualmente tarde, o corpo terá estranhado… A razão pela qual tinha de me levantar tão cedo era o facto de ir, juntamente com Tr, visitar a prisão Bastoy. Assim, depois do banho tomado, peguei no Fiesta, e fui até casa do colega. Troquei de lugar, sendo que ele ia conduzir, e lá fomos. Chegamos a Moss cerca de uma hora e qualquer coisa depois, e aí, após esperar meia hora, apanhamos um barco para atravessar o fiorde. Travessia completada, tivemos de apanhar outro barco. E isto porquê? Porque a prisão é numa ilha! Não tem cercas, não tem nada, a não ser a linha costeira que separa os reclusos do mundo lá fora…

.

A prisão é muito porreira, e é a primeira, e única no mundo, prisão ecológica. Isto é, tanto quanto possível, toda a gente que na ilha habita vive com os recursos que a mesma provém! Têm animais, quintas, madeira, etc. Se partem uma mesa, cortam uma árvore e fazem uma nova. Coisas assim. A razão da nossa visita prendia-se com o facto de quererem implementar um sistema tipo CT, senão mesmo uma CT. Este senão tem que ver com uma certa resistência por parte do governo.

.

A ilha tem 115 reclusos, e 68 pessoas a trabalhar, sendo apenas uma pequena parte são guardas. Efectivamente, estou quase certo que a dada altura me disseram que por vezes estão apenas 2 guardas na ilha! É uma prisão de baixa segurança, onde chegam pessoas que cumpriram tempo em prisões de alta segurança, e têm apenas dois anos mais para servir. Não vivem em celas mas em casas, e o seu horário é como um horário de trabalho normal, sendo o resto do dia tempo livre. Esse horário de trabalho normal pode ser dividido, de acordo com a vontade do recluso, entre sempre a trabalhar, ou metade a trabalhar, e metade na escola.

.

- As pessoas que estão aqui e vão sair, mais tarde vão ser meus vizinhos. E eu quero ter vizinhos que não sejam violentos, agressivos, e que saibam respeitar as outras pessoas – dizia-me o director dos serviços sociais – Por isso tentamos fazer com que essa aprendizagem comece aqui. – ok, porreiro. Tivemos de manhã uma reunião com um recluso que cumpriu o programa aqui, está bem, e quando acabar o seu tempo na prisão, quer fazer o “after-care” aqui na Phoenix. Depois da reunião, do almoço, e da minha visita guiada, tivemos mais uma reunião, desta feita com mais 4 ou 5 pessoas. Aproveitei essa hora e meia para alinhavar uma estória de 12 capítulos em que ando a pensar.

.

Visita concluída, apanhamos o primeiro barco, que nos levaria de volta ao continente. Estávamos no segundo barco quando começamos a perceber que eu não chegaria a tempo… e a tempo de quê? – pergunta o leitor. O plano era eu apanhar o Tr em sua casa com o carro da CT, irmos à ilha, e ao voltar, eu apanhava o comboio de Moss para Askim, onde ia ter a aula, e Tr ia para a competição de Kartings. Pois tal não foi possível. Não fiquei triste, pois sendo apenas a segunda aula (de oito), de certeza que o que se passaria era a professora ensinar algumas coisas que eu já sabia, e repeti-las mil vezes, como na primeira. Assim, faltei sem o peso na consciência (uma vez que o atraso foi do barco) e fui com eles para o Karting. Porreiro. Desta vez ficamos em último das cinco equipas participantes. Éramos muitos, e as trocas levam tempo. Sim, sim…

.

Pouco antes de chegarmos, Tr pediu-me uma avaliação destes dois meses. Bom, mau, tudo… De bom tinha, honestamente, quase tudo a dizer, e de mau a única coisa em que era fácil pensar era algo que estava relacionado apenas comigo. Refiro-me ao facto de muitas vezes não perceber o que se passa nas reuniões. Após pensar mais um bocado, cheguei à conclusão que também não estava completamente satisfeito em relação à informação que por vezes (não) chega. Disse-o com cuidado, pois não queria ser mal entendido. E na verdade não é algo de que me possa, propriamente queixar, mas que podia, simplesmente, ser melhor. Falo de quando, por vezes chego a determinada reunião e afinal esta não se vai realizar, ou quando há reuniões/eventos extra que acontecem e de que apenas tomo conhecimento no final. O que lhe disse foi que, primeiro, não acontece assim tão frequentemente, e segundo, desde o início que colocava em mim qualquer responsabilidade por algo que corresse menos bem, sendo que me deixaram à vontade, e eu devo procurar as coisas. A isto respondeu dizendo que não precisava de me justificar ou explicar, pois percebia perfeitamente o que queria dizer. Disse ainda que gostava muito da minha atitude, da maneira como era uma pessoa simples sem merdas, hehe.

.

Quando chegamos estava cansadíssimo. Tanto que estive uma meia hora na Internet, peguei num filme que estava no armário da sala (The Cider House Rules – fixe) e fui dormir. Ainda assim adormeci para lá da meia noite…

.

De vez em quando tenho insónias, não sei bem porquê. Bem, tudo bem, isto não se pode considerar bem insónias, mas simplesmente dificuldade em adormecer. Mas o que é certo é que tenho essa dificuldade em adormecer por alguns períodos… anuais? Hum será quando as estações começam a mudar? E por falar em mudar… quando é que os meus intestinos começam a funcionar em condições? Que saudades duma cagadinha simplesmente normal… Sei que não é o melhor tema a partilhar, mas é frustrante sentir vontade e pensar sempre: “Será que é desta? Ou é mais uma falsa partida?... Bem, vamos descobrir” – verdade, caros amigos. A comida é porreira, mas… permaneço na ignorância. Hum talvez esteja a me habituar, novamente, a outro país…

~

Hoje a casa teve um funcionamento diferente. Acontece que todos os técnicos tiveram aconselhamento. E como funciona? Vão todos para um hotel, têm sessões de grupo onde surgem todo o tipo de questões, de forma a resolver eventuais inimizades e seguir em frente. Acontece durante dois dias, ficam lá, e têm como orientadores dois psiquiatras aparentemente muito respeitados a nível nacional. Assim, ficaram cá Tj e Tc, que são extras, e Th, que vai mudar de emprego em Junho. Sim, é verdade. Quando me disse fiquei um bocado renitente, pois gosto dele e da sua presença, mas ontem descobri ser apenas em Junho, mês esse que ainda está longe…

.

Fui, a custo, já que mais queria dormir, à reunião matinal com os residentes, e a reunião seguinte, de equipa, contou apenas com estas 4 almas que são os 3 técnicos e o português. Lemos o livro de ponto, onde a última pessoa em trabalha faz o ponto da situação, como normal, e após isto Th esteve a dar o plano do dia. Não haveria Contact Group, mas um seminário, que acabou por ser bastante interessante, sobre agressão e impulsos; aconselhamento entre residentes (dois a dois), e uma reunião de manhã com o grupo Orienteering Out. Durante o tempo que sobrou falamos acerca do funcionamento da casa, e da importância da sua posição enquanto Staff da estrutura. Claro que… durante a tarde aproveitamos parte desse tempo para pregar uma partida de 1 de Abril… à minha mãe! Foi clássica, daquelas para lembrar…

.

Não sei como me lembrei… e sugeri. Th ligou à minha mãe, que dava uma aula, dizendo, com voz séria, que tinha-se passado algo comigo, e a dizer para ela se sentar. Depois disse que tinham descoberto que eu tinha consumido drogas leves e que tinham de me expulsar! Lol. Quando peguei no telefone para desejar feliz dia 1 de Abril, disse que até estava a tremer! Ah! Diz-me que quando ele perguntou se estava sentada, esta pergunta se eu tinha morrido. Mãe, um pouco dramática, não?

.

Mas deixou-me a pensar. Acho que devíamos fazer mais partidas destas. O susto leva a apreciar mais. Isto é, a ideia de deixar de ter, seja o que for, ou deixar de ter “tão bem”, pode levar-nos a apreciar mais enquanto realmente temos. Como se funcionasse como um despertar. Não sei se me percebem. Não falo neste caso em específico, nem digo para andarmos a dizer às pessoas que alguém morreu e depois, com a maior lata dizer “’Tava a brincar”, mas simplesmente que mal nenhum faria ter mais consciência do que temos e do que não temos…