terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Hoje excedi-me e, em vez de dar apenas uma volta do meu circuito habitual, dei duas. A culpa não é minha, nem deve ser dado crédito ao meu esforço por isso. É que levei como companhia Sigur Rós… e quando chegava, começa a chegar aos meus ouvidos Saeglopur. O piano inicial anuncia a genialidade que se segue. Entrou dentro de mim, instalou-se na minha energia, e não me deixou parar. Pensei em ir “só até ali”, mas quanto mais longe, mais perto estava de completar mais uma volta, e quando dei por mim estava a ouvir pela quarta vez seguida a música e a chegar, pela segunda vez, à CT. Só queria que pudessem ter estado nos meus olhos nos momentos em que estava a correr. O sol já se tinha posto. A luz que chegava provia da Lua, que brilhava alta e cheia, mas cuja luminosidade ia morrendo centímetro a centímetro, sentindo-se abafada com as gotas de água do nevoeiro. Ia correndo, pelo meio dos campos que já vos mostrei, vi apenas alguns metros distintos à frente, e a partir daí fragmentos que se dispersavam entre pedaços de qualquer coisa. E ainda por cima a ouvir Sigur Rós. Sentia-me num sonho. Não por ser tão espectacular que parecia um sonho, mas por parecer, realmente, que estava a correr num sonho. Ouvindo uma música tão sugestiva quanto estas, no meio dos campos entre o nevoeiro, quase sem ver seja o que for, sentia-me, sim, isso, como numa mistura… misturem experienciar ao máximo um sonho com entrar num filme do Tim Burton, e era isso que me parecia. Ao correr entre as estradas de gelo no bosque, quase que esperava, a qualquer momento, que saltasse do meio das árvores uma bruxa com um qualquer encantamento.

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Ao chegar, e me deitar na mesa de madeira completamente molhada, pensava num senhor que veio visitar a CT hoje. Tem 60 anos, e aparenta cerca de 40 e poucos. Já esteve no Evereste, correu África, escalou aqui, ali… Misturei isso com outro pensamento que varrera a minha mente neste mesmo dia… Ao entrar no site do CS vejo que Evelina, uma rapariga sueca que já recebi em minha casa, estava em Brunei! Estas coisas deixam-me a pensar, e a sentir-me limitado. Por mais que queiramos fazer, e andar, há sempre algo que sabemos que, talvez, não vamos fazer… Ou vamos? Não há, claro, que pensar que não vamos fazer algo, realizar determinado sonho.

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Esta manhã, depois da reunião matinal, tive a reunião de equipa onde se faz uma análise de todos os residentes e se analisam, também os seus pedidos e afins, reuni-me com Th, recém-chegado da Índia. Tinham-me dito que era muito porreiro, e que sabia muito, e depois de estar com ele, quase que fico com a ideia que talvez seja obrigatório ser alguém muito porreiro para aqui trabalhar. O objectivo da reunião, que tivemos na sala de aula, era explicar-me como funcionava o Grupo de Contacto (Contact Group). O básico já sabia, pelo que aprofundou. Mas, basicamente, consiste numa reunião em que as pessoas se sentam em círculo, para que todos vejam todos, distribuem-se os papéis que cada pessoa escreveu, e lêem-se. Mesmo que a pessoa se tenha arrependido de escrever, não pode simplesmente ignorar o pedido, tem de ter responsabilidade por isso. Nos papéis figura, como já disse, a pessoa que escreve, para quem escreve, a razão da “zanga”, e como quem escreve se sente. Depois da leitura, quem sentir a necessidade pode extravasar um pouco mais, gritando se necessário for, com as mãos agarradas à cadeira e o ouvinte, por muito que custe, com as mãos nas pernas, de palmas para cima. Hoje ouvi uns berros valentes. A conversa tinha começado com o tema da sua viagem à Índia. Diz-me que já esteve em vários países da Ásia, contou-me as suas aventuras, e depois iniciou o tema das reuniões de Grupo de Contacto. A partir daí fala sobre outras coisas acerca da filosofia da casa, e acho piada quando diz que, muitas vezes, para quebrar o gelo inicia uma conversa com outros temas que não são necessariamente o tema central… apesar de ter sido eu próprio, inicialmente, a perguntar acerca da sua viagem, sorrio ao pensar que isso tinha acabado de acontecer comigo. Pois Th apresenta-se com aquele estilo de “porreiraço”. Magro, cabelo curto em desalinho, alguma pintarola, e um sorriso matreiro. Também é ex-toxicodependete, apesar de ter feito o seu tratamento noutro local. À medida que vai falando, vejo, novamente, alguém com quem muito tenho de aprender, e alguém cujos métodos me parecem pouco ortodoxos, facto que me confirma.

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Quando me pergunta como aqui vim parar, respondo-lhe que este trabalho é, talvez o que mais me apaixonará na psicologia, e que gostava de continuar no ramo, apesar de ser difícil em Portugal. Ele diz que, apesar de mal me conhecer, se vê no meu olhar que “isto é a minha cena” – ok. Além disto diz que já não vou para Portugal. “Talvez nos Natais…” – atira, com um sorriso. Mas será isto uma conspiração que me atira para longe da pátria todos os dias?... Parece que o tema anda aí a rondar, como um abutre a ron… não, argh, que exemplo estúpido e sem sentido que ia dar! Ia dar uma ideia de algo muito mais negativo do que é, para mim, ficar aqui. Bem, acho importante realçar que, porventura ficar aqui, seria algo de muito positivo. Simplesmente consideraria que ficar em Portugal mais positivo seria. E além disso convém também realçar que nunca me disseram que podia ficar aqui. Simplesmente que não era uma hipótese descabida.

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A determinado momento fala de 1. Eu digo que, apesar de me sentir bem com praticamente todos os residentes, 1 é alguém com quem sinto ter alguma dificuldade chegar. Ele diz que não sou o único, e que nesse momento 1 está no “Slipp Bench”. Este é o banco onde se sentam as pessoas que estão com pensamentos de desistir. Quando por ele passei, reparei que, numa cadeira ao lado, estava um residente, dos mas velhos. Uma hora depois voltei a passar por lá, e estava lá outro. Soube, mais tarde, que o banco, não é “a casa”, nem o “exterior”, mas algo no meio, como uma espécie de purgatório. A pessoa que com ele está representa a sua ligação à casa, o seu apoio. De referir que não saiu. Outro aspecto simples, mas que nada custa adoptar quando se gere uma instituição com tantos residentes é o facto, não só de fazer muitas contagens (talvez demais, por vezes), mas o facto de, quando alguém falta, a pessoa imediatamente a seguir, segundo a hierarquia, fica encarregue de a encontrar.

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Sobre estas sucessivas contagens… por vezes sinto-me um bocado… não é atarantado, ou tampouco irritado, mas por vezes sinto-me em desalinho com esta excessiva organização. De certeza que este é um factor cultural, mas achei que valia a pena referir. Pois veja-se: hoje, demoramos 10 minutos a iniciar a refeição da noite, e quando perguntei por que esperávamos, acho que nem percebi muito bem. É que 2 faz a contagem, desaparece, e pelo que me dizem, vai transmitir a informação à “Expedition”, depois volta a trnasmitir a informação a não sei quem, volta a receber um feedback de alguém que não me recordo quem é, só então vem dizer que se pode começar. Não é sempre assim, vale a pena referir, igualmente.

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Bem, estou a ouvir o Porto, que perde 1-0 na Alemanha. O resultado não é assim tão mau, pois acho que o Porto consegue facilmente dar a volta em casa. Aqui me despeço.

3 comentários:

Ana disse...

Ha uma coisa que me deixa cheia de curiosidade, primeiro pensei que te encontravas numa Universidade mas por outro lado ha muitas coisas que contas que me faz pensar em terapia de grupo. Sera?

Ana disse...

Aqui conseguias tabalho de certeza, o pior sao as leis de imigracao que sao muito pouco flexiveis, agora mais que antes.
Depois eh o TOEFL que eh tipo um exame em ingles muito dificil que pode durar algum tempo so depois desse exame as pessoas se podem candidatar a um emprego, claro falo no caso de uma pessoa com um diploma universitario, os outros nao fazem esse exame.
Andei na escola com medicos, advogados, engenheiros que em part time faziam trabalhos mal pagos e ridiculos como um amigo da Romenia que era dentista e andava a apanhar bolas num club de golf, ganhava uma ninharia.
Tirando a parte financeira a vida aqui nao eh facil, eh um pais com um Inverno muito longo, dias muito tristes com pouco sol, eh deprimente.

Anónimo disse...

perdeu...o porto!