quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mysen, 9 Abril 2008

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Acho que era esperado que o ritmo de posts começasse a baixar. Depois de chegar e da surpresa deixar de ser surpresa, do novo passar a menos novo ser, as coisas começam a entrar no ritmo e as novidades sossegam, pelo que nem sempre a vontade surge. Porém, tenho a dizer que, apesar de estar por terras nórdicas há cerca de dois meses e meio, apenas aterrei nas mesmas algures na última Sexta-Feira. Sei que é estranho, mas acho que tem que ver igualmente com um período duma certa “crise” que tive de ultrapassar, e assim o vou fazendo. Não que eu esteja, ou tenha estado, em crise, mas passando por uma. Creio que o facto de ter ido a Portugal, misturado com o facto de ter mudado de “estrutura” teve a sua influência. Sobre ter ido a Portugal, recordo-me de pensar que, por muito que estivesse a gostar de estar aqui, ao voltar, não me importava de ficar por terras lusas mais uns tempos. Pois tal não aconteceu, e cheguei aqui, dois meses depois, vindo do conforto preguiçoso do lar e, ao contrário da primeira vez que aqui cheguei, as coisas já não eram novidade, e esse factor que por vezes suaviza a realidade distante, o facto de encontrar em cada metro algo de completamente novo, encontrava-se ausente. A par disto, estava planeado passar da equipa de entradas para a equipa responsável pela fase um. Todavia, T.Luísa (ok, os técnicos também terão nomes fictícios mãe…) estava com dificuldade em encontrar espaço para se reunir comigo e podermos alinhavar o meu plano, pelo que me senti, por cerca de uma semana, um pouco a saltitar de canto em canto, sem saber realmente o que fazer. Ganho o mesmo, mas detesto sentir-me estagnado, ou parado, ainda que use esses espaços de tempo fazendo algo produtivo, como ler, pesquisar, etc. Pois assim fui caindo, aterrando na realidade, começando a perceber que, por exemplo, as pessoas com quem trabalho são prestáveis e muito simpáticas, mas nem todas são absolutamente espectaculares, como no início imaginava. Umas são mais introvertidas, outras sinto que se sentem um pouco intimidadas com a minha presença, por não saberem falar tão bem inglês… Não o sinto com muita gente, mas por vezes sinto sorrisos nervosos que manifestam alguma incerteza em como agir… Curiosamente, até na comida notei este meu recém-adquirido realismo. Não tinha queixas nenhumas, mas… Ok, expresso-me mal. Continuo sem queixas nenhumas, pois a comida não é má e é grátis, que direito teria de me queixar? Contudo, se dantes via cada refeição como tão boa como em Portugal, agora sei que não é verdade, e… o almoço… esta refeição muitas vezes é à base de pão, queijo, e outros alimentos assim a tender para o simples.

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Pois Sexta-Feira chego a Oslo, e estou no metro, olho à volta, e diante de todas aquelas caras brancas e azuis, e das outras tantas a mostrar o quão cosmopolita a cidade é, percebo, finalmente, que estou noutro país. Acho que o sentimento de estar noutro país manifesta-se de duas diferentes formas, ou em dois níveis diferentes. O primeiro, quando chegamos e procuramos em tudo o que vemos algo diferente, apenas para alimentar o nosso sentimento de aventura; e o segundo, quando o diferente que procurávamos inicialmente passou a ser normal, e um novo diferente surge, quando apenas procuramos o normal. Vivendo aqui em Mysen, e especialmente tanto tempo na Comunidade Terapêutica, o diferente que eu via, e vou vendo, não posso dizer que se prende com os hábitos de trabalho, por exemplo, pois na verdade é a primeira vez que estou a trabalhar, mas com, de certa forma alguns aspectos das pessoas (que não são assim tantos como tanta gente acha, mas que não assim tão poucos, como já achei), e a natureza, que me tenta gritar, todos os dias, que não estou assim tão perto quanto isso. Eucaliptos nem vê-los, e aquele manto já descrito que cobre a terra mãe em cada bosque lembra-me, de tão diferente ser, dos fetos portugueses. Quem sabe um norueguês ficaria maravilhado com os extensos oceanos desta planta nada difíceis de encontrar no nosso canto europeu…

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Claro que estive no metro apenas com o objectivo de chegar a algum lado, por isso não vou continuar a escrever tendo começado o parágrafo anterior da maneira que comecei. Eis que chego a casa de T.Álvaro. Ou melhor, chego à estação a que deveria chegar. Depois andei cerca de meia hora a procurar a rua que lá me levaria. Nunca por princípio, mas por mero orgulho e sisma, resisti a sacar do meu telefone (que T.Ana me emprestou) e pedir indicações, e lá dei com o sítio. Uma vez aí, sozinho, já que T.Álvaro estava com sua namorada, tomei banho, e de seguida voltei para Oslo. Tinha enviado uma mensagem para o grupo da mesma cidade no couchsurfing, a que respondeu uma rapariga da Hungria, dizendo que poder-nos-íamos encontrar. A noite foi calma. Trouxe comigo o meu elixir, e além do mesmo, bebemos uma cerveja aqui, e outra ali, desta vez já com a presença de três simpáticos noruegueses da nossa idade que responderam com a sua própria companhia à pergunta que investigava um novo sítio para beber um copo. Ficamos com os contactos uns dos outros, mas para dizer a verdade ainda não adicionei ninguém. Fá-lo-ei amanhã. Mais dia menos dia, 90% dos meus amigos no Couchsurfing serão noruegueses, suspeito…

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Acabada a noite de festa às 3h da manhã, tinha diante de mim umas simpáticas 3 ou 4 horas de espera, até que aparecesse o primeiro metro, que meia hora depois me deixaria em Bergkrystallen. Fui, com calma, comer um hamburger ao Burger King, e da mesma forma fui caminhando até à estação, onde esperei uma hora apreciando os reciclas a passar. A zona da estação tem muitos reciclas. Para quem não sabe, tipo os meus pais, um recicla é uma pessoa com mau aspecto. A dada altura descobri que a estação estava aberta, o que foi um regalo, sendo que, posso dizer sem mentir, não estava a morrer de calor. Aí dormi umas duas horas, até que apanhei o metro.

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No dia seguinte, Sábado, quando acordei demorei cerca de meia hora a perceber se já tinha efectivamente acordado, e se estava vivo. Com satisfação, descubro que sim, ainda estava vivo. Um membro do Couchsurfing tinha proposto, no grupo de Oslo, uma festa em sua casa, festa essa que bailava na minha mente. Por um lado queria ir, por outro, pouca gente tinha dito que ia. Mas ok, era uma hipótese. Com essa ideia como eventualidade, pus-me a caminho da capital, onde esperava encontrar-me com uma americana que se tinha oferecido para me dar uma extensiva visita guiada. Tal aconteceria, caso o meu telefone não tivesse decidido que estava ligado há muito tempo, e que era tempo de descansar… Assim, sem bateria, dei a mim próprio mais uma visita, desta feita por sítios diferentes que me fizeram atribuir uns pontos extra à cidade que, continuando a não ser nada de assombroso, é melhor, ou mais bonita, do que em tempos achei. Na mochila tinha 6 cervejas, que mais tarde descobriria não serem precisas, mas isto foi apenas para dizer que caminhei muito com um peso enorme nas costas. Sou um herói.

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O relógio aproximava-se das sete horas, altura em que a festa supostamente começaria. Apesar de ter, como disse, a mesma na mente, permanecia indeciso, pois queria aparecer, estar, e voltar para o centro, e não sabia quais os planos do anfitrião. Pensando que os seus planos não teriam de ser os meus, lá fui.

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Quando chego à estação aconselhada, tento lembrar-me do mapa que ele tinha desenhado no site. Ok, um mapa é giro, mas o nome da rua também é útil, algumas vezes… Tinha memorizado o mapa, mas quando segui o que acreditava estar certo, deparava-me com umas curvas e contra curvas que não era suposto aparecerem. Abri uma cerveja, e voltei para trás. Sem bateria no telefone, e perdido numa zona residencial onde não via ninguém senão uns putos a brincar, dou um gole na cerveja, e penso no que fazer. Volto para trás, e vou caminhando, procurando alguém que me pudesse ajudar. Caminho, caminho, até que encontro um casal, aquém pergunto onde poderia fazer um telefonema. Indicam-me o hospital, que apareceria a uns 5 minutos de distância. Pois acho que devo ter entrado numa qualquer dimensão alternativa muito estranha, pois segui o caminho que me indicaram e só lá cheguei passados 15-20 minutos. Coisas.

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Chegado ao hospital, peço troco ao segurança, que do seu bolso tira 90 mil moedas, que apesar de imensas, me permitem fazer o telefonema. Bem, eu sabia que o anfitrião era do médio oriente, mas não imaginava que o seu sotaque fosse tão… do médio oriente. Certo era que falava comigo a tentar explicar onde era a sua casa, e eu só pensava quando me perguntaria se eu não queria comprar qualquer coisa. Assim vou vendo o meu precioso dinheiro escoar-se entre mal-entendidos, até que alguém, presente na mesma festa toma a iniciativa, e com um inglês muito mais inteligível, me explica onde tenho de ir. Ok, eu estava certo desde o início. Lá voltei para trás, e quando penso estar no sítio certo, demoro ainda uns 20 minutos a encontrar o prédio certo. Quando o faço, sei o bloco, mas não sei o apartamento. “Não há problema – pensei, para os meus botões – basta seguir o nome”. Pois devo dizer que não me enganei. Entre Trond’s, Christian’s, Magnum’s, e outros tantos nomes que não me deixavam esquecer o país onde me encontrava, não foi difícil ver um nome que sugeria nitidamente o médio oriente. Ah, isto porque eu não me lembrava do nome, claro.

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Na festa estava apenas o anfitrião, Iraniano, e um Norueguês, crescido na Alemanha. Apesar disto, da falta de comparência dos chatos Noruegueses, o tempo passou rápido, e foi animado. Tinha cerveja em barda e outros elixires. É certo que não estivemos lá a noite toda, e talvez por isso tenha também passado o tempo de forma rápida. Isto pois era meia-noite e pico e apanhávamos o último metro que nos levaria até ao centro. Aí fomos para o Vila, um bar/disco porreiro(a). Assim passou a noite… pena que, sendo Domingo no dia seguinte, o primeiro metro era mais tarde. Nada que uma boa parede para se encostar e um pedaço de chão para sentar não ajudasse. Quando acordei pela segunda vez no mesmo dia, dessa feita já em casa, apenas me mexi do sofá para ir buscar o Táxi Driver, do Scorcese, que é… estranho.

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Segunda, Terça, Quarta, e hoje é Quinta. Sim, já é Quinta porque ontem tive, já não sei porquê… ah, sim, sei, não me apetecia escrever mais, pelo que apenas continuo hoje. Esta semana correu melhor, e já estou de volta. Pensei, algures no início da semana, que tinha de levar ainda mais a sério as minhas próprias palavras e ideias, e procurei ainda mais ir de encontro a algo que parecia não estar a vir de encontro a mim. Assim passei os primeiros dias bem, até que finalmente Luísa se reuniu comigo e tivemos a falar acerca dos grupos e actividades da Fase 1. Não decidimos nada, simplesmente me teve a dizer o que havia, o que eu já sabia, quando aconteciam, o que não sabia totalmente, e do que tratavam, idem.

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Assim, apesar de ter já o meu horário mais ou menos definido, vou continuar a acompanhar tanto quanto possa a equipa de Entradas. Gosto de ir às alas de desintoxicação falar com potenciais futuros residentes, por exemplo. Intervir, ou tentar intervir, na motivação de alguém que está prestes a tomar uma decisão que mudará a sua VIDA é sempre bom.

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Tenho estado também, quando tenho tempo, na Expedição com T.Álvaro. Além disto estou ainda a colaborar com T.Ema numa investigação cujo objectivo é aferir a qualidade, na óptica dos residentes, do tratamento aqui. Os meus dotes, ainda que nem por isso extensos, a nível de investigação e de domínio do SPSS fizeram algum sucesso. Pensei no rigor com que via cada detalhe, e lembrei-me do quão importante é, ou foi, ter alguém tão exigente como eu tive como orientador de mestrado.

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Assim, tenho-me sentido bem. Útil, activo, e estou na página 199 do meu romance que escrevo há uns anitos, com muitas interrupções.

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Talvez haja mais por dizer, mas se assim for, noutros posts o farei…

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