terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Mysen, 28 Janeiro 08, 23h31

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Hoje acordei às 7h da manhã. Foi difícil. Especialmente porque tenho tido bastante dificuldade em adormecer. Basta dizer que na primeira noite, a determinado momento acordei e estava a dormir ao contrário, isto é, a cabeça estava no mesmo sítio onde tinham estado os pés. Verdade! É p’rai a terceira vez que isto me aconteceu, desde sempre. Pensando bem, uma vez, em VLC acordei dentro do guarda-vestidos. Verdade, verdadinha… nesta última noite demorei à vontade uma hora e meia a deixar o mundo terrestre. Após ter tomado banho e não lavar os dentes (já explico) fui tomar o pequeno-almoço. Não tomei com os residentes porque acho que eles o fazem por volta das 7. Pequeno-almoço tomado, mergulhei um pouco no livro sobre TC, vi os meus mails, e fui de seguida ter com o orientador, que estava com o terapeuta 1 e 2 (mais uma vez lembro que em diferentes textos, o mesmo número pode ser gente diferente). Feitas as apresentações, retirei-me com o T1, com quem vou trabalhar nestes próximos dois meses, na primeira fase do tratamento, a motivação. Depois salto para a segunda (3º e 4º mês) e finalmente para a terceira, se não estou enganado.

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O T1 apresenta-se como uma pessoa bastante simpática, nos seus 40s, e que, imagino, quem sabe arrancaria uns suspiros às almas lusas femininas. Vamos até o seu escritório, onde conversamos um pouco sobre isto e sobre aquilo, e onde ele me vai dizendo, muito por alto o que vamos fazer. Diz que, na medida em que amanhã vou partir por 3 dias, não vale a pena estar já a alinhavar tudo, e que o podemos fazer quando chegar, na Sexta. Pois vou embora por 3 dias… O melhor é que, não só vou com os residentes e 2 ou 3 membros do Staff, como vamos para a montanha, a umas 5h de carro daqui para Norte. Vamos fazer ski (para mim será mais snowboard). Disseram-me mal cheguei, que tinham marcado um quarto no hotel para mim, com pequeno-almoço e jantar incluído. Após o momento de surpresa, a minha mete foi forçada a pensar nos custos. Pensei: “Até 500 euros, que se lixe, sempre estou aqui e estou… não é propriamente o mesmo que ir para a Estrela…”. Mas, como não custa nada imaginar, questionei se teria de pagar. Da primeira vez que falei com o orientador, pensei em perguntar se tinha de pagar, mas achei que poderia ser um bocado cara de pau. Já estou aqui a dormir e comer à borla… Hoje, porém, dei a volta à questão, e em vez de perguntar se teria de pagar, perguntei ao T1 quanto pagaria. Ele levanta as sobrancelhas, faz uma pausa de 2 segundos, eu olho para ele e imagino, bem lá atrás na minha mente, o rufar (é assim que se diz?). “Well, nothing, I guess. You’re going as a member of the staff.” – bem, perfeito. Espero que o “I guess” dele seja uma certeza. Eventualmente será. Como dizia, é uma pessoa bastante simpática, acessível, divertido e vivido. Quando perguntei se era psicólogo, diz-me que é um ex-residente. Este agarrado ao mundo de onde agora ajuda os outros sair durante 17 anos. Tenho vindo a perceber que, e tal como tinha lido no livro de CTs, que muitas das pessoas do Staff aqui são ex-residentes. Porreiro. Seguindo a conversa sobre a viagem à neve, alertou-me para o frio, e perguntou-me 14 vezes se eu tinha roupa apropriada. Eu, claro, após pensar meio segundo, disse que sim. Pois eis que o T1, como nórdico que é, me questiona acerca das calças. “Pois tudo o que eu tenho são calças de ganga. E depois?” – penso. Pois a ganga é à prova de água, toda a gente sabe, certo? Bem a verdade é que cheguei à conclusão que teria de comprar umas calças impermeáveis. Contudo, tenho uma desculpa! É que isto de viver num país nórdico é uma experiência completamente nova para mim!

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Descemos do seu consultório, e foi-me apresentando aos membros do Staff que iam aparecendo, e que, sorrindo, me esticavam a mão, dizendo um qualquer nome que eu me esforçava por recordar, algumas vezes em vão. Sigo-o até um gabinete, onde tem uma conversa nessa bela língua que é o “noruego” com um rapaz de pêra. Mais tarde explica-me que ele trabalhava na CT, mas que tinha um problema com audição, arranjou outra coisa, e ia sair. Num segundo imaginei-me a tomar o lugar dele. Não era perfeito, perfeito seria em Portugal. Porém, apesar de apenas estar aqui há 3 ou 4 dias, já me sentia aqui bem. Acho que me apaixono com facilidade…

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Vamos de seguida para outro gabinete, onde após nos servirmos de um café (“Well, it’s not portuguese coffee”), nos sentamos, e me pergunta em que mais me pode ajudar e esclarecer. Ah, ia-me esquecendo. Não sei se referi no texto anterior, mas o orientador, sabendo que eu escrevia, perguntou-me de que maneira, usando esse… gosto (ainda não posso dizer “talento”… mais 10 anitos e ‘tou lá), poderia ajudar os utentes, fosse de que maneira fosse. Eu lembrei-me de organizar um concurso de poesia livre, onde mais tarde seriam distinguidos os melhores 3, por exemplo, recompensados com algo pequeno. Poderiam escrever em Norueguês, e após tradução por alguém bilingue, eu não me importava de ler todos e ser o juro. Lembrei-me ainda que, caso achassem que, ainda que suave, introduzir a competição não fosse saudável, poderia ser apenas um desafio, para mais tarde termos um belo serão, onde cada um poderia ler o que escrevera. O T1, à medida que eu ia falando ia abrindo um pouco os lábios, esboçando um sorriso, e no final concluiu dizendo que gostara da ideia, e que poderíamos seguir com isto.

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De qualquer maneira, o orientador junta-se a nós e ficamos mais uma meia hora a conversar sobre algumas diferenças de métodos. Pelo que disseram, aqui não fazem testes de urina aos residentes após virem de fim-se-semana. Tampouco os fazem tomar antagonistas. Dizem que instauraria um clima de desconfiança. Fiquei a pensar nisso. Em Portugal fazemos. Mas não sei se algum dos métodos estará necessariamente errado. Há diferenças entre a população. Por exemplo, pelo que me foi dado a perceber, não me lembro de ter visto alguém a interromper alguém, alguém a “picar” alguém, gritos, coisas assim. Está claro que não falo Nr, mas se há coisas que se percebem pela linguagem corporal, são estas. Outra diferença é que os residentes fazem bastantes reuniões sozinhos, sem Staff. Hoje, a determinada altura estava no meu escritório, e reuniram-se na sala de convívio, de onde de vez em quando chegava até mim um qualquer som, dito por todos ao mesmo tempo, qual templo. Achei interessante. Está, a meu ver, relacionado com o facto dos utentes nas fases mais finais do programa terem papéis que se equiparam aos papéis dos membros da equipa técnica. Se não estou em erro, quem orientava algumas das reuniões dos grupos mais novo era um residente mais velho.

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Após o almoço, fui, juntamente com os residentes (estes em grupos de dois; claro que me juntei apenas a um) ao centro. Gostei da viagem porque passeia toda a conversar com o 1, não sobre trivialidades, mas sobre a sua VIDA e a experiência com drogas.

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A determinada altura, quase parecia como se tivesse sido de propósito para ver algo que tinha aprendido no dia anterior. É que na primeira loja onde fomos trabalhava, em voluntariado, um utente da Fase 2 (a Fase 1 tem, em si, 3 fases, e dura um ano), e na segunda loja estava a trabalhar, já a ganhar, uma utente em Fase 3. Como eu tinha outras coisas para comprar, eles voltaram e eu fiquei pela vila. Tinha de comprar coisas como pasta de dentes (daí não lavar os dentes há 3 dias…), creme de barbear, champô (isso pedia emprestado), etc. mais tarde, ao voltar, quase agradeci vir sozinho. Foi algo que notei em Liverpool. E mais ainda hoje de tarde. Em Liverpool pensei, e até com eles comentei, que caminham bastante depressa. Pois aqui, meus amigos, parece que estão num campeonato de marcha! Eu quase ficava ofegante! Paulo e João (os Pernas Longas), estes metiam-vos num bolso…

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Quando chegamos sei, por alguém, que o jantar era às 16h30. Pensei que tinha percebido mal. Mas depois tudo começou a fazer sentido. Pensei que, no primeiro dia tinha sido às 18h, no segundo às 17h, e agora… Das duas uma… ou era um processo lento de, simplesmente eliminar o jantar, ou iam sempre comendo cada vez mais cedo, até que a determinada altura dava a volta e já estavam a comer a horas decentes outra vez! Esse meu jantar foi composto por 3 fatias de pão com queijo e fiambre. É que chego às 16h40 e dizem-me que o jantar já tinha acabado! “Estes gajos são o preconceito em figura de gente!” – penso – “Então é às 16h30, um gajo chega às 16h40 e já acabou?!”. Mais tarde percebi o porquê. O meu computador, o LuiGi, tem o seu quê de patriota, e deve ter-se sentido quando mudei a hora, e voltou a mudá-la. Muito independente. Espero que agora estabilize. Outra coisa que começo a perceber, é todo este sistema alimentar. Descobri hoje uma refeição nova! P’rai às 20h30 eles têm o que nós temos ao lanche, às 17h, portanto. Pão, flocos, geleia, e afins. E às 17h, eles têm o que nós temos às 20h30. Carne, arroz, e afins. Pensando bem, eles é que estão certos, se pensarmos naquela ideia de que à noite se deve comer pouco e não sei quê. Adoptava este costume? Pois sim... (foi irónico…) (não) (nunca)

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Depois desta refeição tiveram mais uma reunião. Eu estava no meu escritório, que é em frente à sala de convívio. Por um lado, ainda que não fosse perceber o que era dito, queria estar lá. Por outro lado, tenho de pensar que se não estivesse a viver aqui, faria, certamente, das 8h às 16h. Claro que não será assim tão estanque, mas é importante manter isto em mente. Pois assim fiquei navegando na net, a actualizar o currículo e procurar o futuro…

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Há coisas que começo a perceber e a sentir, mas do tipo de coisas que não se publicam num blog, pelas razões já referidas.

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0h23

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