segunda-feira, 12 de maio de 2008

Birmingham

Mysen, 11 Maio 2008

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É Domingo. Hoje acordei, acabei de arrumar a minha roupa, tomei banho, e vim para o escritório. Agora há pouco fui capturado e tive a jogar quinze minutos de volley com o pessoal, até que tiveram de ir fazer uma tarefa qualquer. Os fins-de-semana são sempre agradáveis, especialmente agora que o bom tempo chegou. Ainda não me habituei ao facto de serem onze horas da noite e o céu estar azul. Não me habituei, mas gosto. E até Julho, os dias cada vez são maiores!

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Pois na Segunda passada, acordo mais cedo que o costume, e preparo as minhas coisas para ir. Tinha pedido a Tarje que, depois da reunião matinal de equipa, me levasse, pedido a que acedeu. Já tinha tudo pronto, e contava que a reunião demorasse mais que as habituais, pois era o primeiro dia da semana, e ler-se-iam as anotações de todo o fim-de-semana. Porém, o “demorar mais”, estava a ser demasiado. Via os ponteiros do relógio a não serem nada tímidos à medida que galgavam os tracinhos que me lembravam que o tempo urgia. Dava sinais a Tarje, mas este dizia que ainda não podia sair, até que entregou os pedidos por que era responsável a outro técnico, e lá fomos. Quando cheguei à estação de comboio, vejo uma fila nada pequena, e um comboio pronto a partir a qualquer minuto. Cometendo um sacrilégio, passei, com um pedido, à frente das pessoas, e pedi um bilhete para Oslo. Tudo bem. Não. O meu cartão insistia em não funcionar. Que fazer? Vânia, residente que estava, por acaso, na fila, disse-me que me poderia emprestar dinheiro e eu podia comprar o bilhete no comboio. Ok, tudo bem. Assim, emprestou-me 500 coroas, e meti-me no comboio. Comecei, a dada altura, a estranhar, pois o “pica” nunca mais aparecia, e já íamos quase a meio da viagem… Fruto deste meu estranhar, olhei à volta, e qual não é o meu espanto quando descubro que estava numa carruagem para quem tem já bilhete. Advertiam que buscas aleatórias podiam ser feitas, e quem não tivesse bilhete seria multado. Esperei que parássemos novamente, e quando tal aconteceu, dirigi-me a uma carruagem onde se podia comprar o bilhete. Vejo o “pica”, sento-me, e quando começamos a andar novamente, ele passa por mim, olha ao redor, diz o nome da estação, e volta para trás. A ocasião faz o ladrão, é verdade. Claro que quando ele disse o nome da estação, no fundo estava a dizer “Alguém entrou aqui? Se sim, podem comprar o bilhete” – mas eu não percebi… ou fiz que não percebi. A questão é que faltavam apenas uns 20 minutos, e deixei-me ir…

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Correu bem. Quando cheguei a Oslo, encontro um ecrã que me diz que o autocarro para o aeroporto era daí a um par de minutos. Desço com o olhar o resto do mesmo ecrã e não encontro mais nenhum autocarro para o mesmo destino. “’Tou f*d*d*” – pensei. Desatei a correr, e quando o alcanço, com o olhar, vejo que já toda a gente está dentro do mesmo, e a porta das malas está fechada. Não que isso fosse um problema, eu não tinha mais que a minha Deep Blue (o nome da minha Eastpack), mas isso significava que estava pronto para partir. Todavia, o condutor estava em pé, e a porta aberta, e por isso, num salto, estava dentro do autocarro. O autocarro estava apinhado, com algumas pessoas na fila do meio, em pé. O condutor estava em pé, olha para mim de soslaio, toca-me nas costas, eu passo, e permaneço em pé, a averiguar se a minha impressão estava certa. Sim, era verdade, devia ser o meu dia grátis, porque ele não voltou a olhar para mim e sentou-se. Claro que viajar 1h45 em pé não é bom, mas poupar assim, duma vez, 170 coroas, faz com que valha a pena. Com a viagem de comboio e esta para o aeroporto à borla, poupei 35 euros!

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Estava cansado, e mais cansado fiquei. Quando cheguei ao aeroporto comprei uma calzone e uma coca-cola, e após este almoço, fui para as portas de embarque. Entra no avião, sai do avião, e passado cerca de duas horas estava em Londres. As linhas de comboio estavam em manutenção, e por isso não tive outra opção senão apanhar o autocarro para Birmingham. Mais quatro horas de viagem. Quando finalmente cheguei ao meu destino, constatei que estava a viajar fazia 12h. Dinheiro, tempo, cansaço, tudo por uma entrevista. Pensava se valeria a pena, e respondia ao meu própria pensamento com a certeza que apenas não valeria a pena se eu, por alguma razão, não conseguisse ir à mesma entrevista. Ainda assim… acho que percebo quando nos dizem que tudo vale a pena, pois mesmo que tudo corra pelo pior, é uma lição que tiramos, acerca das circunstâncias, e acerca de nós mesmos, da maneira como lidamos com a frustração. Costumo dizer que se viajar muito me deu estaleca e experiência, esses atributos manifestam-se geralmente quando as coisas correm mal. Continuo-o, apesar de já muito ter andado, a esquecer-me de coisas, a não contar com imprevistos… mas a leveza com que lido com isso quando isso acontece, o desespero que não sinto, e a cabeça fria que mantenho creio ser o manifestar dessa experiência. Experiência… quem me ouvir… tenho 24 anos!

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Uma coisa que constatei durante a viagem foi o número incrível de imigrantes que vi. Se aqui na Noruega o médio oriente abunda, em Inglaterra, apesar de também se mostrar sem medo, creio ser ultrapassado por África. Acho que, por exemplo, em Luton, em 10 pessoas via 3 ou 4 brancas! E agora o que se diz sempre: não que eu tenha algo contra pretos, não tenho! E o que se diz sempre, igualmente: Qual é o problema em dizer pretos? – Sim, e realmente, nós dizemos sem brancos, não dizemos ser claros! Então para quê usar o termo “negro”?

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Quando cheguei a Birmingham, não posso dizer que tenha ficado fascinado. E o meu sentimento deixou-me a pensar. Acho que sou meio desconfiado, a viajar. Em que medida? Não sei ao certo, mas tenho mais cuidado do que quando estou em Portugal. Talvez por isso nunca tenha sido assaltado, em 30 países. Mas ao mesmo tempo, creio ser normal ser mais cuidadoso quando num local estranho. Na estação de comboio, como mensagem de boas vindas, assisti a uma cena de pancada, com um gajo deitado no chão a ser pontapeado por outro. Curiosamente, esta cena não me deixou menos desconfiado… Apanhei o comboio, e passado 10 minutos estava em Selly Oak, à espera da minha anfitriã. Tinha enviado uma dezena de pedidos, e obtive mais respostas positivas do que esperava, pelo que combinei com a primeira pessoa que respondeu.

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Philippa era uma rapariga simpática, e após termos jantado e conversado um bocado, juntamente com a sua colega de casa, fomos até ao Goose Bar, onde estavam alguns dos seus amigos. Meio litro de cerveja a 1,5£ (menos de 2€) – já não estava na Noruega. Por ali ficamos cerca de duas horas. O pessoal era simpático, e imaginei se, caso conseguisse o trabalho em Birmingham, não poderiam fazer parte do meu círculo de amigos. Ou melhor, eu é que faria parte do círculo deles…

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Quando viemos para casa ainda estivemos a ver Tv um bocado, e depois fui dormir, no quarto duma amiga delas que estava de viagem. Estava cansado, e acordei, na manhã seguinte, igualmente cansado. Não sei se sabem, mas cá para mim o “estore” é algo que é proibido nos outros países. Na Finlândia tinha de me virar com uma cortina, aqui á e mesma coisa, e em Birmingham… Digamos que acordei dez mil vezes antes de me levantar. Mas, pelo menos aqui, está a tornar-se num sério problema. O dias cada vez são maiores, o que é fantástico, mas com o inconveniente de que o sol começa a dizer-me olá cada vez mais cedo. E a minha cortina desfaz-se em simpatias para com o nosso amigo, deixando-o inundar o meu quarto de luz, quando ainda tenho 3h de sono pela frente. A ver vamos…

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Fui com Philippa até ao Campus Universitário, que é porreiro. É engraçado ver o pessoal que não está tão habituado ao sol quanto nós… Se nós não pensamos muitas vezes antes de abrir as esplanadas, tampouco de as usar, este pessoal euro-nortenho é como o urso polar. Passa o Inverno enfiado em casa, mas mal o sol dá um ar da sua graça, movem-se em massa atrás da sua luz, como que ganhando energia para mais um Inverno de temperaturas negativas e dias curtos que se avizinha.

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Quando nos despedimos, dirigi-me ao centro. Não andei a fazer turismo, mas a cidade… não é propriamente Paris. Almocei uma baguete e uma coca-cola a um preço ridículo (vai de retro Noruega, sai!!) e apanhei um autocarro para a zona onde seria a entrevista. Andei uma meia hora a ver se dava com o sítio, e quando finalmente consegui encontrar, faltavam ainda quinze minutos para a hora estipulada. Ainda assim, receando que estivesse enganado (não tinha nenhum sinal na porta), decidi tocar.

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- Pedro! – diz-me Carol que, obviamente, me reconhecera pela minha fotografia no CV. Entrei, esperei um quarto de hora para acabarem de almoçar, e chegaram mais dois candidatos. Carol fez-me saber que seríamos quatro. Não sei se terão havido mais noutros dias, mas não creio. Também não sei quantas pessoas seleccionaram, mas a vaga foi bem anunciada, pelo que imagino que muita gente.

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Esperávamos N. a candidata que faltava. À minha frente Carol, directora de não me lembro o quê, parecida com a minha tia Graça, simpática e com um ar de tatuagens, à minha direita Andrew, director do serviço, nos seus trinta anos, sorriso simpático. Dos outros dois candidatos, um era T., nos seus 50 anos, camisa aos quadrados dentro das calças, cabelo ao lado – aquele arzinho médico que não adoro. J., por sua vez, era uma cópia muito bem feita de Gerard Depardieu, pelo que não vou dizer mais nada, além do facto de que me pareceu meio estranho. T. era terapeuta não sei onde, tal como J., que já tinha estado na Índia num programa psico-social de voluntariado, a ajudar as vítimas do tsunami. Senti, não uma certa inabilidade, mas uma certa ausência de vontade daquele jogo de auto-promoção. Sentia que diziam algumas coisas para mostrar o que tinham já feito, quem eram, coisas assim… Ah, e tínhamos-me a mim, imagine-se, de camisa (fralda de fora, deus nos livre!) – de resto tudo normal. Eu era o único com experiência em CTs, mas concerteza a pessoa com menos experiência a nível geral, sendo que tinha menos de metade da idade dos meus “rivais”. A dada altura chega N., rapariga dos seus 26 anos, e tive a instantânea sensação que esta estava de fora. Parecia-me muito mosca morta, e mais tarde, quando eu entrava para a apresentação, sou capaz de jurar que ouvi as pessoas dizerem algo como “podia estar melhor preparada”. Mas não sei…

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Antes da apresentação tivemos uma visita guiada pela casa. A CT é para 8 pessoas, e o objectivo não é curar dependências mas destina-se a pessoas com outros problemas mentais mais abrangentes. Note-se: não é ara doidos ou coisa do género, mas para pessoas que não tiveram o mesmo ambiente ao crescer como muito de nós, e que sentem hoje em dia as consequências de nós. Depois da visita tomamos café e chá todos (os 4 candidatos mais os 2 técnicos) na sala, e tivemos uma espécie de sessão aberta onde podíamos colocar algumas questões. Talvez por ser a pessoa com mais experiência em CTs, fui quem colocou mais questões. Senti-me, desde o primeiro momento, num bom ambiente, e deixei-me à vontade, sendo eu, com as inevitáveis espontâneas piadas. Sem abuso, não se preocupem. A minha apresentação seria a terceira, e enquanto os outros iam tendo a sua, ficávamos na sala a conversar.

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Mas eis que chegou a minha vez. Ao entrar na sala vejo Andrew w outra senhora cujo nome não recordo, e uma residente. Tinha apenas dois dossiês com os tópicos que desenvolveria, e optei por dar um à residente, e outro aos dois técnicos para partilharem. Não foi à toa. Não segui à risca os tópicos que tinha alinhavado, mas acho que correu bem. A minha maior preocupação era o meu inglês, que apesar de muito bom, não é de alguém que nasceu e viveu na Inglaterra, mas quando disse que, caso achassem necessário, poderia ter aulas de inglês, disseram que achavam não haver nenhum problema com o meu domínio da língua.

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Confesso que ao deixar a Comunidade, vinha com a sensação de ser o favorito. Mas agora, quanto mais tempo passa, menos o creio. É normal fazermos isto, e quanto mais tempo temos depois de situações como estas, mais atentamos para pequenas coisas que possamos ter feito ou dito mal, e a confiança desvanece um pouco. Vim com J. no autocarro. Este tinha-me pedido para esperar por si, e podíamos ir juntos para o centro. Isto relaciona-se com algo em que achei que N. e T. estiveram mal. Depois da sua entrevista, T. foi embora, sem dizer nada; N. apareceu por um segundo na nossa sala para ir buscar a sua carteira, e desapareceu igualmente, mal se despedindo. Estranhando, Carol perguntou se Andrew estava a mandar as pessoas embora. Este disse que sim, mas mesmo assim, se fosse eu, não por graxa, mas por simpatia e cortesia, nunca me iria embora sem me despedir do resto do pessoal. Enfim.

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Agora um pormenor um tanto ao quanto bizarro. Estamos a conversar acerca do método usado na CT em Birmingham, Análise Transaccional, e dizem que apenas outra Comunidade no mundo usa o mesmo método, sendo uma na Índia. Ao dizer isto, Carol não estava certa da localização, mas queria dizer Bangalore… Ora… Se não se recordam, tenho como objectivo, na eventualidade de não arranjar nenhum emprego, de ir para a Índia fazer voluntariado numa CT para pessoas com esquizofrenia, com quem já entrei em contacto… em Bangalore. É a mesma! Qual é a probabilidade!?

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Despedindo-me de J. no centro, fui para a estação de autocarros e pensei. A minha mente oscilava entre a decisão de ir directamente para o aeroporto, ou ver as modas em Londres. A decisão não foi difícil. Assim, 3h depois, estava em Londres. Estava cansadíssimo, e pensava se não daria uma volta e ia para o aeroporto. Parte de mim queria, mas geralmente não dou muita atenção a essa parte… Londres é uma cidade excelente. Quem sabe no meu top 5… se bem que tenho de voltar a Paris e “estudá-la” melhor. Sei que Estocolmo, Praga e Roma encontram-se neste top. Depois, não sei… Nova Iorque também merece uma segunda visita… Bem, como dizia, andei por Londres, e pensei em sair, beber uns copos e curtir um bocado. Após jantar no Mac, passo num quiosque, e lembro-me de comprar uma garrafa de vinho. Pergunto ao paquistanês se havia problema em beber nas ruas, e ele diz que sim. Pensei uns minutos, e descobri uma solução bastante ardilosa! Há pessoal que leva a bebida em sacos, mas isso não é assim tão discreto… Que fiz? Voltei ao Mac, saquei um copo dos grandes, uma tampa e uma palhinha… perfeito!

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Sentei-me nas escadas que rodeiam a estátua de Picadilly, e a ver as modas, fui bebendo o vinho. De seguida, não sabia muito bem para onde ir, até que sou interpelado por um par de raparigas a distribuir panfletos, e descubro o meu destino. Sports Bar – 2 andares, um sem número de televisões, bilhares, matrecos, uma pista de dança porreira, bom ambiente, e cerveja (0,5) a 1,90€! No centro de Londres! Nunca pensei dizer isto, mas a Inglaterra é barata! Ah, e viva o euro….

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Quando era hora, apanhei o autocarro e fui para o aeroporto. Estava estafado, mas dormir seria perigoso. Podia não acordar e perder o avião, pelo que comprei algo para comer e fui comendo, tomando o meu tempo. Entra no avião, sai do avião, entra no autocarro, sai do autocarro. Não paguei mais uma vez a viagem de comboio, o que é sempre bom! E pronto, Quarta depois do almoço estava aqui!

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Hoje é Segunda. O fim-de-semana foi porreiro e mais longo do que eu pensava. Porquê? Hoje é feriado!! E eu não sabia e acordei às 7h30! Pobre eu…

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